Como eu já procurei demonstrar em três artigos anteriores, este, este e este, entendo ser perfeitamente possível que a ciência humana, esta mesma ciência responsável pela busca de respostas no mundo físico, possa também desempenhar o papel de árbitro no julgamento da validade de afirmações extraordinárias, especialmente as de cunho metafísico.
Normalmente, os defensores da existência de fenômenos não fundamentados no mundo físico justificam a ausência de evidências científicas para a realidade de tais fenômenos argumentando que a ciência, como produto do raciocínio humano, é limitada àquilo que nossos sentidos limitados conseguem captar, sendo, portanto, incapaz de alcançar uma suposta camada superior ao mundo físico.Eles costumam dizer, inclusive, que sendo a ciência tão limitada quanto nós, é impossível que ela consiga descrever a realidade da maneira que ela realmente é.
De certa forma, há verdades nessas afirmações, mas de longe elas podem ser tomadas como válidas de maneira que possam invalidar a ciência humana.
É perfeitamente entendido que existem dois tipos de realidades, a subjetiva e a objetiva (demonstrei a existência da realidade objetiva em outro artigo).Nós, como seres viventes imersos na realidade objetiva, podemos ter acesso às informações dessa realidade através de canais que absorvem tais dados e os transforma em informação cogniscível a nós.Esses canais são nossos sentidos.Diferenças na frequência de ondas eletromagnéticas são transformadas naquilo que chamamos de cores, por exemplo.
A ciência trabalha com a criação de modelos, que são os meios utilizados para descrever a realidade objetiva da forma como podemos entendê-la.Cientificamente falando, não faz diferença se, por exemplo, o elétron é diferente daquilo que imaginamos que seja, desde que o modelo criado para o elétron seja capaz de descrever perfeitamente seu comportamento e as interações que ele é capaz de fazer.Esses modelos são a forma utilizada para descrevermos as estruturas existentes na realidade objetiva.Como é impossível para qualquer ser que exista, ou venha a existir, entrar em contato direto com a realidade objetiva, isto é, sem que seja através da interpretação das informações pelos sentidos, modelos são o mais perto possível que podemos chegar da verdade.
É errado, portanto, dizer que nossos modelos são errados, que eles não descrevem a realidade como ela é e, portanto, são essencialmente inúteis.Graças a esses modelos chegamos ao nível tecnológico em que nos encontramos hoje, já que eles nos deram a capacidade de entender a realidade e manipulá-la a nosso favor.É claro que, como todas as coisas em ciência, tais modelos são efêmeros, e podem ser substituidos por novos modelos, melhores e mais completos, caso haja necessidade.Diferente dos defensores de realidades alternativas, a ciência não toma pra si o direito de decidir o que é verdade absoluta do que não é.
A grande questão é que estes modelos não estão limitados apenas na descrição de fenômenos puramente físicos, eles também podem ser criados para descrever fenômenos de cunho não-físico, desde que eles tenham influência no mundo físico.Vou criar uma parábola para exemplificar tal pensamento.
Suponhamos que exista uma caixa, cujas dimensões são irrelevantes.Dentro dela, é posto um bebê humano recém-nascido.Ele se desenvolve nessa caixa e atinge a fase adulta, quando estará com seu intelecto perfeitamente formado.A maneira como ele sobreviveu dentro dessa caixa sem ajuda de ninguém também é irrelevante.Dentro dessa caixa, apenas uma lâmpada no teto, que permanece acesa indefinidamente.A realidade a que esse ser humano tem acesso está limitada às dimensões dessa caixa.Como as sombras na caverna de Platão, esse homem acredita que sua vida é limitada a andar de um lado ao outro da caixa, banhado pela luz de uma lâmpada incandescente, pro resto de sua existência.Como não tem mais nada pra fazer, esse se limita a passar todo o tempo que está acordado a pensar.Ele então imagina que fora daquela caixa deve existir um mundo onde existão pessoas como ele, e elas dirigem veículos que se movimentam mecanicamente, e que existe algo grande e amarelo aparentemente imerso em algo azul, que fica acima de suas cabeças, e que ilumina tudo o que está abaixo, da mesma maneira que sua lâmpada incandescente.
Esse homem nunca poderá ter certeza se, de fato, existe uma camada externa de realidade, chamemos assim, a sua realidade acessível.Ele nunca poderá ter certeza se existem pessoas fora da caixa, se elas dirigem carros e são banhados pela luz do Sol.Ele pode até imaginar, criar hipóteses, mas elas nunca poderão ser tomadas como verdadeiras.Se pusêssemos um outro ser humano na caixa, um cético, que se permite o direito de tomar como verdade apenas aquilo que é acessível, o outro homem jamais poderia convencê-lo de que, de fato, existe um mundo externo a essa caixa.Não haveria distinção entre a fantasia do homem e a realidade que poderia existir.Ele poderia imaginar que, da mesma forma que pessoas semelhantes a ele, fora dessa caixa, se locomovem utilizando veículos automotores, existem pessoas que voam pelos céus utilizando seus cavalos mágicos, com asas e chifres, carinhosamente chamados de unicórnios.Qual seria o método utilizado para diferenciar estas duas coisas, classificá-las como possivelmente existentes e como puramente fantasia?
Em um próximo post, finalizo essa empreitada.
terça-feira, 19 de maio de 2009
O homem na caixa - Parte 1
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quinta-feira, 30 de abril de 2009
Onisciência x Livre-arbítrio - Parte 2
Na primeira parte do post sobre o paradoxo envolvendo onisciência e livre-arbítrio, introduzi o conceito do paradoxo que envolve deuses (ou qualquer criatura que julgue possuir onisciência) temporais, ou seja, que estão imersos na dimensão tempo, como nós.
Porém, existem duas possibilidades: ou o deus (ou a criatura) está imerso no tempo, ou seja, faz parte dessa dimensão, bem como nós, seres mortais, ou este mesmo ser NÃO está imerso nessa dimensão, portanto, é uma criatura atemporal, extra-temporal.
Quando o argumento do paradoxo onisciência x livre-arbítrio é apresentado, normalmente os teístas declaram-no como ineficiente, pois um deus que criou o próprio tempo não pode estar subjugado a ele.Este deus criador é, portanto, atemporal, e o paradoxo não se aplica a ele.Concluem eles, portanto, que a onisciência convive bem com o livre-arbítrio em um cenário onde um deus atemporal criou a estrutura espaço-temporal e encontra-se fora dela.
Eu, porém, tenho uma visão diferente.Não acredito que postular um deus atemporal sane o problema, pelo contrário, cria um novo problema, equivalente ao problema do deus temporal.
Um deus atemporal enxergaria o Universo temporal da mesma maneira que nós podemos pegar um rolo de filme (daqueles bem antigos, onde os quadros ficavam em sequência no rolo do filme) e enxergar todos os quadros do filme basicamente 'ao mesmo tempo'.Isto é, um deus atemporal, ao criar o Universo, imediatamente, como ser atemporal, vislumbraria toda a História da sua criação de uma vez só.Veria o começo, o meio e o fim deste Universo, e poderia percorrer cada 'quadro' deste 'filme' como bem quisesse.
Acredito que as ilustrações tornarão as coisas mais claras.
Uma vez que o deus vislumbre toda a História da sua criação, do começo ao fim, isso automaticamente anula nosso livre-arbítrio, pois este deus deu origem a sua criação com uma linha bem determinada de eventos, indo do começo ao fim, da mesma maneira que um roteirista entrega o roteiro pra os atores, e a história do filme correrá de acordo com aquele roteiro pré-determinado.Os atores não têm o livre-arbítrio para agir como bem quiserem, eles têm de seguir o que está pré-determinado no script.
Nós, da mesma forma, estamos seguindo um script já determinado pela criatura criadora de toda a História do Universo.
Não há, portanto, nenhum livre-arbítrio.
Se pudéssemos fazer as nossas escolhas livremente, teríamos o poder de surpreender o deus criador pois, para termos total liberdade em nossas escolhas, elas não podem estar pré-determinadas por ninguém.Mas não é isso que acontece num cenário onde um deus atemporal exista.
O que podemos ter é apenas uma falsa sensação de liberdade de escolha.Eu posso escolher um sabor entre dois sabores de sorvete.Eu acredito que tenho total liberdade para escolher, mas a criatura atemporal criadora da realidade já sabe, de antemão, qual será a minha escolha, e pior, foi ela quem criou todos os 'quadros' posteriores ao instante em que vou fazer minha escolha.Eu nunca tive o poder de escolher o sabor diferente do que eu escolhi.
Ainda existe uma outra possibilidade dentro desse cenário de um deus atemporal, baseado na interpretação de Everet para a probabilidade que rege o mundo quântico.Argumentarei sobre isso em um próximo post.
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quinta-feira, 16 de abril de 2009
O Material, o Imaterial e o Ceticismo - Parte 2
Muitas são as discussões que giram em torno de temas que dizem respeito a fenômenos não-físicos, como projeção astral, EPS (experiências extra-sensoriais), visão remota, precognições, telecinese, mediunidade, entre outros supostos fenômenos que são categorizados como sobrenaturais (ou supranaturais).
São chamados de não físicos, metafísicos, pois acontecem em uma esfera superior à física.Por exemplo, a queda de uma pedra é um fenômeno físico, pois as partes envolvidas são consideradas entidades físicas (pedra e planeta, ambos compostos, em escala atômica, de átomos), e o fenômeno em si é regido por leis físicas (a gravidade, uma das forças fundamentais, embora ainda não totalmente compreendida, é responsável pela atração à pedra, que a faz, nos nossos termos, cair).Mas como explicar, por exemplo, uma viagem astral, supondo que o fenômeno, de fato, ocorra? Do que seria composta a consciência projetada? De moléculas? De ondas eletromagnéticas? Muito provavelmente não.E quais as leis que regem esse fenômeno (existe leis, de fato, como proclamam os defensores de tais fenômenos, como a indestrutibilidade do chamado 'cordão de prata', que seria o elo entre o corpo físico e o corpo astral)? Como explicá-las em termos físicos, e prevê-las? Se, de fato esse fenômeno ocorre, tais explicações encontram-se distantes da capacidade científica atual, portanto, são considerados como fenômenos não físicos.
Embora sejam fenômenos não físicos, provar a existência de tais fenômenos é algo perfeitamente possível, apesar do que a maioria dos defensores de tais fenômenos discordarem, pois julgam a ciência atual como prosaica, incapaz de lidar com tais tipos de eventos.Pretendo demonstrar como é possível provar a existência de tais fenômenos utilizando a ciência física.
Todo fenômeno não físico tem uma consequência no mundo físico, o que habitamos.Digamos que eu chegue para você e diga que tenho uma criatura que habita o mundo não físico bem no meio da minha sala.Digo que li alguns artigos pela internet e descobri como 'capturar' essa criatura.Bastou espalhar alguns papeizinhos com alguns encantamentos pelo chão, e a criatura, ao passar por ali, ficou aprisionada.Você fica animado e segue o diálogo:
_Fantástico, e o que essa criatura pode fazer?
_Oh, é incrível, ela pode conjurar objetos do nada, ela tem o poder de prever o futuro, ela pode flutuar, pode mexer com os elementos, como fogo, água, pode falar em todas as línguas conhecidas, é incrível.
_Que legal, vamos lá vê-la.
Chegando na minha sala:
_Ué, mas onde está a criatura?
_Ora, ela está bem ali no meio.
_Mas... eu não a vejo.
_Ah, claro, porque ela é uma habitante do mundo não físico, você não pode vê-la no mundo físico, ela é invisível.
_Poxa, mas que chato.Mas deixe-me tocá-la então.
_Ah, não dá, ela também é incorpórea.
_Uhm, certo.Então vamos vê-la falando alguma língua, ou fazendo alguma previsão do futuro.
_Ih, ela até pode falar, mas não vamos ouví-la, só é possível ouví-la no mundo não físico.
_Poxa, então vamos pedí-la pra manipular algum elemento, traga um copo d'água.
_Impossível, ela só pode manipular a essência do elemento que habita o mundo não físico, não podemos ver essa essência.
_E que tal pedirmos para ela conjurar algum objeto?
_Ah, isso ela pode fazer, mas os objetos conjurados também só são existentes no mundo não físico, não poderíamos tocá-los, ou vê-los.
Para cada idéia que você dá para verificarmos a existência dessa criatura, eu dou uma desculpa, dizendo que não vai ser possível por uma série de motivos.[1]
A questão central é: se não é possível, de forma alguma, verificar a existência dessa criatura, como eu posso ter afirmado que ela existe? Como eu, a princípio, posso ter dito que a capturei, se, de forma alguma, eu posso ter acesso a qualquer coisa que essa criatura possa fazer, e a qualquer consequência de alguma ação que essa criatura possa executar?
Qual é a diferença, portanto, entre essa criatura existir, e não existir? Nenhuma, pois ela não interfere de forma alguma com o mundo físico.A falta de evidências dessa criatura na minha sala não é uma evidência para que você afirme que ela não existe no mundo não físico (você pode afirmar que, pelo menos ali na minha sala, ela não existe), mas, o mais importante, eu não posso, de maneira alguma, afirmar que ela existe, pois não tenho qualquer evidência disso.[2]
É exatamente aqui que entra a fé, mas não quero entrar no mérito dessa questão nesse post.Vamos dar prosseguimento, e continuar a argumentação, com o exemplo do ser do mundo não físico em mente.
Quando um defensor de fenômenos supernaturais afirma que não são necessárias (ou não são possíveis de se obter) provas sobre esse fenômeno, ou até mesmo evidências, o que, em suma, ele está afirmando? Exatamente o que eu afirmei a respeito da criatura do mundo não físico.
Alguém que afirme que não é possível obter provas de fenômenos não físicos, nem mesmo evidências, está admitindo que seu fenômeno não tem qualquer interferência no mundo físico, portanto, para todos os efeitos, tal fenômeno não existe, e o defensor de tal idéia não está em posição de afirmar tal coisa.
Para uma visão mais clara, vamos pegar a projeção astral, um suposto fenômeno supranatural, e analisar sob o ponto de vista da argumentação desenvolvida.
Para os que não sabem o que é projeção astral, podem conferir nesse link.Tendo o conceito em mente, vamos supor que eu diga que sou capaz de realizar uma viagem astral, e você, espantado, quer saber como isso é.Segue o diálogo:
_Muito legal, então você realmente pode sair do seu corpo?
_Posso sim, eu projeto minha consciência no mundo astral.
_E o que você pode fazer lá?
_Eu posso sair por ai voando, encontrar várias pessoas, vários seres astrais, viajar pra lugares distantes apenas pensando, é fantástico.
_caramba, muito legal, mas... como você sabe que isso não é apenas um sonho?
_Ora, isso é muito diferente de um sonho.Eu projeto minha consciência para fora do meu corpo.
_Ah, mas pode muito bem ser um sonho.Porque a gente não faz assim, você deita aí e tenta se projetar pra eu ver.
_Não vai funcionar, porque o perispírito é invisível, você não vai vê-lo.
_Então se projeta e derruba alguma coisa, faz algum barulho.
_Não dá, ele também é incorpóreo, não posso tocar nem segurar em nada.
_Então vamos fazer assim, eu pego alguns objetos, vou pro outro quarto, você se projeta pra lá, vê que objetos são, e depois eu volto aqui e você me diz quais eram.
_Ah, num vai dar, a gente só tem acesso ao mundo astral, não podemos visualizar o mundo físico.
Qual a difereça substancial entre esse diálogo e o diálogo anterior? Nenhuma.Novamente, eu demonstro que, de maneira alguma, eu posso interferir no mundo físico, de maneira alguma eu posso evidenciar pra outrem que eu, de fato, estou realizando algum fenômeno não físico, ainda não compreendido pela ciência, simplesmente porque não posso provar que estou realizando essa fenômeno.
Segue a pergunta anterior: Como saber se isso não é apenas um sonho, um delírio, ou até mesmo uma sensação provocada por mecanismos cerebrais?
Não tem como diferenciar.Acreditar que não é apenas um sonho, ou qualquer outra coisa física, não passa de pura fé.
Mas tem uma coisinha sobre esse diálogo: ele não é verdadeiro, pois os defensores da projeção astral afirmam categoricamente que é possível 'viajar' pelo mundo físico, embora não seja possível interagir com ele, mas é perfeitamente possível visualizá-lo, como se estivesse em seu corpo físico.
Sendo assim, a experiência proposta por você seria perfeitamente executável.Ou seja, você poderia escolher alguns objetos que eu não veja, levar para um outro quarto, por exemplo, e eu me projetaria até lá, veria os objetos e depois os descreveria para você.De que outra forma eu saberia exatamente quais são esses objetos, se não pode algum mecanismo não físico? Isso poderia não provar categoricamente uma viagem astral, como ela é descrita, mas pelo menos evidenciaria a existência de mecanismos não físicos, ainda desconhecidos.Mais alguns experimentos controlados, e com sucesso, e teríamos um fato muito interessante pra pesquisar.
Isso não é só aplicável à projeção astral, e sim a qualquer fenômeno dito supranatural.Concluo, portanto, que, embora tais supostos fenômenos ocorram numa esfera não física, seus efeitos podem ser perfeitamente verificáveis na esfera física (seus efeitos são diferentes do fenômeno em si.No exemplo da projeção astral, o fenômeno em si, e o mecanismo e as leis que regem esse fenômeno se desenrolam numa escala não física, mas seus efeitos são verificáveis na escala física, a saber, a possibilidade de 'saber' quais objetos estão escondidos em outro quarto, um feito impossível de ser realizado por meios físicos).Logo, é totalmente possível provar a existência de tais fenômenos e, se um defensor dessas fenomenologias afirma categoricamente sua existência, ele deve ter em mãos as evidências destas, ou estará se passando como um bobo que afirma que capturou seres astrais intangíveis, incorpóreos, invisíveis, inatingíveis, no meio de sua sala.
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quinta-feira, 9 de abril de 2009
O Material, o Imaterial e o Ceticismo - Parte 1
Parece ser um consenso entre os defensores de filosofias espiritualistas, esotéricas, místicas, holísticas, entre outras, que o ceticismo é um inimigo a ser combatido, que todo cético é um cego desmiolado, e medroso, que, por se sentir seguro com o seu materialismo exacerbado, teme o desconhecido e o não-físico, da mesma maneira que uma criança teme a escuridão.
Não é necessário dizer que não há medo algum por parte do ceticismo, e a hostilidade apresentada pelos defensores dessas teorias é, na verdade, o mecanismo de defesa contra o método investigativo dos céticos, simplesmente porque tais teorias carecem de evidências para se sustentarem, e são defendidas unicamente com fé.
Primeiro, é importante que definamos o que é o ceticismo, e o que é ser cético.Na minha concepção, ceticismo pode ser definido como um postura inquiridora.Tudo é passível de desconfiança, e a dúvida é o melhor caminho para que cheguemos a uma verdade, ou pelo menos o mais próximo dela.Não vou fazer uma análise histórico-filosófica sobre o termo, esta definição encaixa no proposto a esse post.É também semelhante a definição aceita pela maioria.
A dúvida consiste na não aceitação, e também na não negação, do objeto de estudo.Se alguém diz que foi raptado por alienígenas, eu tenho a opção de acreditar, de não acreditar e de duvidar.A dúvida deve ser imparcial, pelo menos no que se propõe à análise.Obviamente eu posso ter a minha opinião pessoal a respeito do assunto, mas essa não deve ser a posição oficial do cético, da mesma maneira que cientistas podem ter suas opiniões pessoas acerca do experimento que estão realizando, mas o método científico deve ser, pelo menos em tese, imparcial e cético.
O método investigativo utilizado pelos céticos para analisar fenômenos, sejam supostamente sobrenaturais, ou físicos (como a ciência em si), não difere do método científico.Buscamos evidências, as analisamos, formulamos teorias, chegamos a conclusões.
O cético é, portanto, aquele que mantém uma postura oficial imparcial frente ao objeto de estudo, e busca, através de métodos pré-estabelecidos, uma conclusão a respeito da alegação que está estudando: se é falsa ou verdadeira.
Aquele que nega uma alegação antes de se prestar a estudá-la não é cético, e o que mais existem são os pseudocéticos, aplicando o pseudoceticismo achando que, por ignorância ou por preguiça, que essa é a verdadeira postura cética.
Fica óbvio, através da definição, que as alegações por parte dos defensores de filosofias não físicas de que céticos são cegos ou que 'não querem enxergar a verdade' é totalmente infudada.O cético apenas se reserva o direito, mais do que sensato, de não aceitar alegações extraordinárias instantaneamente, e sim propor um estudo em cima do que é possível reunir de supostas evidências, para poder chegar a uma conclusão.Esse é o cerne do pensamento crítico.Qualquer um que vire adepto de qualquer filosofia sem questioná-la, buscar as provas de sua validade, é um acéfalo.
Terminadas as definições, pretendo demonstrar, através da argumentação, que o método investigativo baseado no ceticismo pode, independente de qual alegação está sendo estudada, ser utilizado para se chegar a uma conclusão sobre a veracidade ou não do objeto de estudo.
Mas fica pro próximo post.
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domingo, 29 de março de 2009
O Início das Crenças
No post anterior, discorri sobre as duas componentes do ser humano, sem entrar em muitos detalhes, e no final iniciei um tema que sempre aparece em debates com teístas, que é a propensão humana a ter crenças em divindades.
Deixei duas perguntas : como essa rede de crenças teve início, e porque alguns permanecem crendo em um deus? Apesar do meu pouco gabarito para falar sobre isso, vou tentar, apoiando-me em alguns artigos já lidos, e na minha opinião própria.
Possivelmente, a crença em um deus teve início lá nos primórdios da humanidade, quando os macacos-quase-pelados davam passos na areia e começaram a ter noção de que aquelas pegadas eram as marcas dos seus pés.Os seres humanos têm um característica fascinante : curiosidade.Temos necessidade de descobrir coisas, de conceituar e definir.Precisamos tornar as coisas claras, nos assusta a idéia do desconhecido.A morte, por exemplo, não é a grande inimiga da maioria a toa, afinal, ninguém voltou pra contar como é o lado de lá.Apesar dos pobres mortais construirem crenças na tentativa de apazigar esse medo, na tentativa de definir o pós-morte, vemos que isso quase nunca tem um resultado satisfatório, já que mesmo tendo crenças, a grande maioria continua com medo de morrer.
Temos, então, quase como uma necessidade biológica, o intuito por definirmos algo.Quando essa características começou a aflorar na mente humana, admito não fazer a menor idéia, sei apenas que em algum momento, esta característica, mesmo que prosaicamente, aflorou.E, tendo em vista o que vou argumentar mais a frente, acredito que tenha sido imediatamente antes das primeiras crenças em divindades.
O hominídio, com sua consciência ainda em fase de desenvolvimento, provavelmente se viu indefeso frente a um mundo gigantesco que se abria diante de seus olhos.Cães adormecem e acordam tranquilamente, pois não tem consciência de sua existência.Tudo o que é necessário para que sobrevivam na realidade em que estão imersos está definido em sua componente biológica.Não precisam ser conscientes e ter um apurado senso de julgamento para sobreviverem.Já com os hominídios, provavelmente o mesmo não aconteceu.O que foi necessário, então, fazer? Começar a definir aquilo que os cercava.Definir simplificadamente, óbvio.Não me parece lógico um quase-macaco, um milhão de anos atrás, concluindo que as luzes que via no céu durante uma tempestade eram fruto do choque de nuvens com cargas opostas, e que essa colisão provocava a ionização do ar, resultando no relâmpago que estava visualizando.
Como ocorreu então essas definições? De maneira natural.O homem tinha apenas o mundo natural para ajudá-lo a definir as coisas, e em seu mundo, ele dispunha de duas figuras : ele próprio e os animais.Foi, acredito, nessa época primitiva, que começaram a surgir os primeiros deuses totêmicos e antropomórficos.
Imagine você, um hominídio totalmente primitivo, sem absolutamente qualquer conhecimento, diante de uma tempestade de proporções catastróficas.Como definir algo assim? Você dispõe apenas de dois tipos de seres que, durante suas experiências cotidianas, lhe pareceram capazes de executar ações : você próprio e os animais.Durante seu dia-a-dia, o hominídio era constantemente exposto a ações que eram realizadas por estes dois seres.Nada mais normal que julgar uma tempestade torrencial como uma ação executada por algo.Como o hominídio nunca vira uma pedra executando nada, perfeitamente compreensível que julgasse uma tempestade como obra de alguma entidade que guardava certa semelhança com os dois seres com quem convivia.
Não estou afirmando que logo após a primeira tempestade, o hominídio correu pra primeira árvore, tirou uma lasca de madeira e esculpiu a figura do primeiro deus.Estou apenas demonstrando como poderia, um hominídio primitivo, definir aquilo que presenciava.Definir era preciso para sobreviver, e saciar sua necessidade de conceitos.Definiam, portanto, com as ferramentas que lhe eram possíveis.Com o tempo, a mente humana foi evoluindo mais, as definições necessitaram acompanhar, e as idéias, como os seres, são passíveis de evolução.Vieram, portanto, os primeiros deuses que tinham características e formas.
Se a idéia de deus é um conceito tão primitivo, porque milhares continuam crendo? A resposta estou dando nos meus outros posts, o primeiro Razões para um deus - Explicativas, e o segundo virá depois.
Ante a esses argumentos, podemos concluir que a idéia de que nascemos com a crença em um deus é ridícula.Primeiro porque deuses fazem parte da cultura humana, são idéias, e nascemos desprovidos de idéias.Elas nos são passadas, e assimiladas, portanto, a crença em um deus vem pós-amadurecimento, e não pré-nascimento.E segundo porque podemos provar que os membros da espécie Homo Sapiens Sapiens só se tornam humanos, da maneira que definimos está palavra, quando mantém contato com outros humanos, através das diversas crianças feras encontradas em ambientes inusitados.Uma boa leitura a respeito disso é o site www.feralchildren.com , com diversos casos documentados.Pesquisar, primeiramente, sobre Amala e Kamala, duas irmãs que foram encontradas após terem sido criadas por lobos.A mais velha, não recordo agora se Kamala ou Amala, andava quadrupedalmente, rosnava e mostrava os dentes como lobos.Foram submetidas a um tratamento de socialização, mas ela morreu tendo aprendido apenas por volta de 50 palavras e umas coisinhas a mais.Ela não ria, não expressava emoções.Porque? Porque não era humana, não fora criada com outros humanos, não aprendeu a ser um humano.Era um lobo, apesar de pertencer a outra espécie.Porque não encontraram Kamala ajoelhada, de mãos juntas, orando? Ou porque não encontraram-na realizando qualquer outra coisa que pudesse ser relacionada a um louvou a algum deus? Porque ela não teve nenhum comportamente como esse durante o tempo que era socializada? Simples, porque ela não nasceu com nenhuma crença em nada.Porque sua segunda componente humana era ausente.Não poderia ela expressar nenhuma crença, pois crenças são idéias que são passadas, e não coisas que nascem conosco.
Agora sabemos o que acontece com a criança que é largada sozinha na ilha, sem contato com humanos.Vai andar nua, provavelmente adquirirá comportamento semelhante a alguma espécie com que mantiver contato, vai caçar como os membros dessa espécie, ou colher frutas, subir em árvores, andar quadrupedalmente, qualquer coisa, menos ajoelhar-se e rezar.
Ps .: Ao amigo Thiago, agradecimentos pela indicação do artigo sobre a busca pela verdade num sentido extra-moral, que foi um dos que utilizei para dar base aos argumentos.
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terça-feira, 23 de dezembro de 2008
Onisciência x Livre-arbítrio - Parte 1
Este é um paradoxo que desenvolvi um tempo atrás.Diferente do que pode sugerir o título, o foco do paradoxo não é a onisciência de algum deus contra o nosso livre-arbítrio, e sim a onisciência desse deus contra seu próprio livre arbítrio.
Primeiro, vamos definir os termos.Entendamos por onisciência a capacidade de saber tudo, passado, presente e, principalmente, futuro.Portanto, um ser onisciente sabe tudo que ocorrerá no futuro, até o fim dos tempos.Sua sapiência em relação a esse assunto é total, ou seja, infalivelmente, ele sabe o que ocorrerá em qualquer ponto do futuro.E entendamos por liberdade a capacidade de algum ser fazer aquilo que quer e deixar de fazer aquilo que quer, sem que seja compelido a isso.O problema do determinismo é tratado ao longo do texto.
Vou pegar um ser para usar como exemplo.Juliana encontra-se numa sorveteria, e tem dois sabores de sorvete para escolher tomar, morango e chocolate.Juliana afirma ser totalmente livre na sua escolha, então ela diz que pode escolher qualquer um dos dois sabores, mas vai escolher aquele que mais a agrada, o de morango.Como saberemos que Juliana não está escolhendo este sabor apenas porque esta escolha já foi determinada por acontecimentos passados, dentro de um sistema determinista a que ela está imersa? Não poderemos afirmar com certeza, pois não temos meios de comprovar se Juliana poderia realmente deixar de escolher este sorvete e escolhe o outro sabor, dadas as mesmas condições em que se encontrava no momento da escolha.Mas, felizmente, este não é o foco da minha argumentação.
Suponhamos que Juliana, enquanto conversa com seus amigos na sorveteria, afirme ser possuidora de um fantástico poder : ela pode prever o futuro.Juliana se diz onisciente e, para provar, ela afirma que previu que daqui a um dia, ela estaria novamente em uma sorveteria, e iria escolher um sorvete com sabor de chocolate.É justamente aqui que encontramos o problema.
Juliana se diz onisciente e livre, mas pretendo mostrar que estas características são incompatíveis, ou seja, não podem vir juntas em um ser.Para provar, vamos supor que ambas são verdadeiras, e encontrar as contradições que isso nos evidenciará.
Se Juliana realmente for onisciente, então sua previsão, a de que um dia dali para frente, ela estará numa sorveteria tomando um sorvete de chocolate, irá se realizar, pois assim é a onisciência, tudo que é previsto, é realizado.Porém, Juliana também diz ser livre, ou seja, pode deixar de fazer aquilo que quer, caso queira, então poderá ela deixar de escolher o sorvete de chocolate, se quiser? Vamos analisar ambas as situações :
a) Juliana deixa de escolher o sorvete de chocolate : Se Juliana é livre, então ela pode deixar de escolher o sorvete de chocolate se quiser, mas veja que isso compromete totalmente a sua onisciência, pois ela havia previsto que escolheria o sorvete de chocolate.Torna-se, então, impossível afirmarmos que Juliana realmente é onisciente, pois sua previsão foi um fracasso (o que ela previu, não se realizou)
b) Juliana escolhe o sorvete de chocolate : Se a onisciência de Juliana é plena, tudo que ela prevê, acontece, então ela nunca poderá deixar de escolher o sorvete de chocolate.Ora, mas se ela não pode deixar de escolher este sabor de sorvete, então ela não pode se definir como livre, pois não poderá fazer algo, ela terá, de qualquer jeito, que escolher este sabor de sorvete, independente de sua vontade, pois uma prerrogativa básica da onisciência plena é que o futuro é totalmente determinista, definido pelas condições do presente, imutável, portanto.Se é assim que as coisas funcionam, então podemos concluir que nosso presente é totalmente dependende de condições do passado, desde o começo dos tempos.Sendo assim, toda a minha vida já estava definida antes mesmo deu ter pensado em existir.
Uma onisciência plena traz consigo a necessidade de um futuro imutável, determinado, e este cenário é totalmente incompatível com o livre-arbítrio, pois todas as minhas futuras escolhas já estão decididas por eventos que ocorrerão antes, até mesmo, do meu nascimento.Minha vida já está traçada, minha vontade já está determinada, não tenho qualquer controle sobre ela.Sendo assim, liberdade e onisciência são duas características que só funcionam em cenários bem distintos, e totalmente opostos, não podendo estar ambas presentes numa mesma configuração de realidade.
Podemos aplicar essa idéia a qualquer ser, seja uma pessoa ou um deus que interfere na sua criação.E é simples visualizar isso, pois, se este deus é onisciente, então todo o futuro de sua criação já está determinado no momento que ele a cria.Se ele interfere em sua criação, como executar milagres para pessoas, por exemplo, estas suas ações já estão determinadas desde o exato momento que ele cria todo este Universo, portanto, ele paga um preço pela sua onisciência : perde sua liberdade.
Se no momento que ele dá vida à sua criação, as suas ações sobre essa criação já estão definidas, ele não poderá deixar de não fazer estas ações, ou isso comprometeria sua onisciência.Se ele fizer estas ações, isso compromete sua liberdade.
Infelizmente, esse argumento tem um erro fácil de ser notado : é necessária uma noção de tempo, antes e depois, passado, presente e futuro, para que funcione.Se eu postular um deus extra-temporal, o argumento perde o sentido.Mas, se eu postular um deus extra-temporal, isso vai comprometer outra coisa : NOSSO livre-arbítrio, de uma maneira irrevogável e definitiva.Em outro post eu demonstro porque.
Este argumento não é de todo inútil, apesar de não servir exatamente para deuses, serve muito bem para pessoas que dizem ter o poder de ver o futuro, coisa que não é raro.Todos gostam de se acharem livres, então argumente desta forma com uma pessoa assim, pergunte-lhe se está disposta a sacrificar sua liberdade em prol do seu poder.
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sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
Primeiro Motor Imóvel e Ser Necessário e Ser Contigente
Seguindo na série argumentos famosos, continuo analisando os argumentos de Tomás de Aquino sobre o ponto de vista cético.No post anterior, analisei apenas o segundo de seus argumentos, ou 'Sergunda Via', como é chamado, por ser um dos mais utilizados por teístas para tentar invocar deus de uma maneira lógica.Agora, examino o primeiro e o terceiro argumentos, ou 'Primeira Via' e 'Terceira Via'.
Podia tê-lo feito juntamente com o post anterior, mas decidi não, pois tornaria o post muito grande, e a leitura desinsteressante.Mas poderia pois estes três primeiros argumentos são basicamente o mesmo argumento, mas com palavras e conceitos diferentes.
Vejamos :
1a. via - Primeiro Motor Imóvel Nossos sentidos atestam, com toda a certeza, que neste mundo algumas coisas se movem. Tudo o que se move é movido por alguém, é impossível uma cadeia infinita de motores provocando o movimento dos movidos, pois do contrário nunca se chegaria ao movimento presente, logo há que ter um primeiro motor que deu início ao movimento existente e que por ninguém foi movido, e um tal ser todos entendem: é Deus.
3a. via - Ser Necessário e Ser Contingente Existem seres que podem ser ou não ser, chamados de contingentes, isto é cuja existência não é indispensável e que podem existir e depois deixar de existir. Todos os seres que existem no mundo são contingentes, isto é, aparecem, duram um tempo e depois desaparecem. Mas, nem todos os seres podem ser desnecessários se não o mundo não existiria, alguma vez nada teria existido, logo é preciso que haja um Ser Necessário e que fundamente a existência dos seres contingentes e que não tenha a sua existência fundada em nenhum outro ser.
Ambos foram retirados do mesmo lugar que o argumento anterior.
Lendo a Primeira Via atentamente, vemos que 'motor' carrega basicamente a mesma idéia que a 'primeira causa', de sua Segunda Via.
Tomás afirma que, no nosso mundo, existem coisas que se movem.Uma coisa provoca movimento em outra, e assim numa série regressiva.Imaginemos uma mesa de sinuca, onde a bola azul está se movendo e cai na caçapa.Voltando atrás 'no tempo', vemos que a bola azul foi movida pela bola amarela, que por sua vez foi movida pela bola preta, que por sua vez foi movida pela bola branca, que por sua vez foi movida pelo taco do jogador.O jogado, portanto, foi o primeiro motor, embora ao pé da letra, ele não tenha sido movido por outras coisas também, mas abstratamente, podemos afirmar que ele foi o motor primeiro dessa série de movimentos.
Tomás, neste argumento, apela novamente para o problema da série infinita : se houvesse uma série infinita de bolas, cada uma colidindo com uma outra, nunca poderíamos visualizar uma bola em específico se movendo, pois sempre teríamos que retornar no tempo, infinitamente, de modo que, logicamente, essa série não poderia se sustentar sozinha.Torna-se necessária, então, a postulação de uma 'primeira bola', que não foi movida por ninguém, mas iniciou essa série de movimentos.
É um argumento bom, lógico, mas... onde está deus nisso? Porque Tomás deliberadamente afirma que esse primeiro motor que não foi movido é deus? Veja que ele simplesmente afirma que esse motor é um 'ser', e todos nós concordamos que este 'ser' é deus.
O argumento, por si só, serve para demonstrar que houve um primeiro motor que não foi movido por nada, mas ele não dá o direito a quem o usa a definir esse primeiro motor, a atribuir-lhe características.Eu não posso afirmar que esse ser é onisciente, ou que ele ouve nossas preces, ou que ele nos ajuda, ou que ele tem vontade deliberada, ou simplesmente qualquer outra característica.
Porque não afirmar que o primeiro motor foi o Big Bang, e ponto final? Ou que foi uma flutuação quântica de vácuo que moveu o Big Bang, e ponto final? Porque tem que ser um ser, e porque esse ser é imune ao argumento, ou seja, porque é JUSTAMENTE ELE que tem que ser o motor imóvel? Como garantir que ele também não foi movido por alguém, ou algo, que por sua vez foi também movido por alguém, ou algo, até que no final dessa série, tenhamos apenas um 'algo' desconhecido movendo tudo?
Como eu afirmei, apenas com uma boa dose de fé para engolir este argumento.
Agora, passemos para a Terceira Via.Mais uma vez, Tomás apela para o problema da regressão infinita.Ele afirma que tudo o que existe no mundo tem de ser fundamentado em alguma outra coisa, que não é fundamentada em coisa alguma, pois senão não resolveríamos o problema da regressão infinita.
Alguma semelhança com o 'motor imóvel'? Alguma semelhança com a 'primeira causa'? Todas, afinal, como afirmei, são o mesmo argumento, escritos com outras palavras.
Como de praxe, Tomás resolve este problema postulando que esta alguma coisa e deus, e ponto final, fim do argumento.Como engolir isso sem uma boa dose de fé? Como aceitar isso se você não acredita em deus, já que o argumento, por si só, nada evidencia da existência deste?
Existe diversas outras hipóteses para explicar a existência das coisas físicas, uma que eu mesmo cheguei a conclusão é de que tudo pode ser nada.Isso resolve, de maneira simples, a pergunta 'De onde veio tudo?'.Esse tudo é tudo e nada, ao mesmo tempo.
Imaginemos que tudo o que exista no Universo sejam partículas (o que não deixa de ser uma inverdade), mas apenas dois tipos de partículas, um elétron e um pósitron, sua antipartícula.O 'Universo' é apenas uma coisa abstrata, é apenas a maneira pela qual nos referimos às partículas, é apenas o conjunto delas.O elétron tem carga -e, e o pósitron tem carga +e.Para cada elétron neste Universo, existe um pósitron.
Pergunta : qual a carga total desse sistema? 0, ou seja, considerando todo o Universo, não existe carga, e existe, ao mesmo tempo.Isso porque +e-e=0, independente de quantos elétrons-pósitrons existam, pois sendo 'm' o número de elétrons que existem e 'n' o número de pósitrons, ((m)+e) + ((n)-e) = 0, pois m = n, como eu havia afirmado.
Agora suponhamos que todas as características do elétrons sejam 'anticaracterísticas' no pósitron.A massa o elétron seja anulada pela 'antimassa' do pósitron, e assim por diante.
Pergunta : O que existiria neste Universo? Nada, pois cada elétron se anularia com um pósitron, e restaria absolutamente nada, literalmente.Mas as coisas existem, embora no total, nada exista.
Isso responde a pergunta : 'De onde veio tudo?'.Não veio de lugar nenhum, pois tudo é nada, só que uma outra forma de nada.
Porque não considerar essa explicação, em lugar da de Tomás de Aquino? A minha, pelo menos, é mais científica.Porque não considerar outras explicações que tratam da mesma questão? Porque aceitar que esse algo necessário seja deus, e não simplesmente qualquer outra coisa sem vontade deliberada, sem inteligência, sem quaisquer outras características atribuídas a deus?
Repito, mais uma vez : estes argumentos apenas se fundamentam quando há fé.Sem fé, toda a lógica se demonstra ilógica.
Em um futuro post, analiso os outros dois argumentos restantes.
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terça-feira, 16 de dezembro de 2008
Causa Primeira ou Causa Eficiente
Um dos argumentos defendidos por Tomás de Aquino chama-se Causa Primeira, ou Causa Eficiente.Uma síntese do que diz esse argumento pode ser encontrado aqui, mas transcreverei-o :
Causa Primeira ou Causa Eficiente Decorre da relação "causa-e-efeito" que se observa nas coisas criadas. Não se encontra, nem é possível, algo que seja a causa eficiente de si próprio, porque desse modo seria anterior a si prórpio: o que é impossível. É necessário que haja uma causa primeira que por ninguém tenha sido causada, pois a todo efeito é atribuída uma causa, do contrário não haveria nenhum efeito pois cada causa pediria uma outra numa sequência infinita e não se chegaria ao efeito atual. Logo é necessário afirmar uma Causa eficiente Primeira que não tenha sido causada por ninguém. Esta Causa todos chamam Deus. Assim se explica a causa da existência do Universo.
Este argumento é bastante lógico, e bastante utilizado por diversos teístas para darem suporte a sua afirmação de que deus existe, mas ele tem várias falhas, e uma análise apurada nos leva a concluir que este argumento é, basicamente, inútil para a conclusão a que querem chegar.
O primeiro ponto a ser considerado é que o argumento tem como conclusão que houve uma causa primeira para o Universo.Mas e daí? No que isso nos ajuda a concluir que essa causa é alguma espécie de ser inteligente? Em nada ajuda, pois este argumento não se preocupa em qualificar esta primeira causa, ele serve apenas para nos levar a concluir que tem que ter havido uma primeira causa, mas nada diz sobre ela.É desnecessário, portanto, um argumento para isso, já que, praticamente todos, aceitam que o Universo teve uma causa, e investigam a Natureza a fim de deduzir que causa foi essa, qualificando-a, coisa que este argumento não faz.Portanto, de nada nos serve esse argumento para afirmar que um ser inteligente foi a causa do Universo.
O segundo ponto a ser considerado é que, por pura fé, apenas o Universo necessita de uma causa, mas não deus.Em outras palavras, teístas acreditam que o Universo é um efeito, portanto, requer uma causa, e postulam deus como a causa primária, a causa incausada, e assim terminam a argumentação, como se isso fosse algo auto-evidente.Mas não é.Porque deus não necessitaria de uma causa também? Quais evidências tenho para afirmar que é deus, apenas, a causa incausada, e não um supra-deus, que teria criado deus, que teria criado o Universo? Ou ainda, um supra-supra-deus, e assim sucessivamente.Poderia até mesmo supor que a primeira causa não tenha sido inteligente, com vontade deliberada, mas esta tenha dado origem a um ser inteligente, e este tenha dado origem ao nosso Universo.
Vou exemplificar melhor.Suponhamos que exista um MicroUniverso, criado por algum cientista.Seres atômicos povoam este MicroUniverso, e, após certo tempo de existência, eles adquirem inteligência e começam a questionar os motivos de sua existência.Alguns microseres, então, postulam que houve uma primeira causa, antecendente a seu MicroUniverso, e esta causa foi um ser inteligente, que o criou a partir de vontade deliberada.Esta afirmação estaria correta? Sim, e não, pois de fato foi um ser inteligente que criou este MicroUniverso, mas ele não foi a causa primeira, pois muitas outras causas antecederam este ser inteligente, que culminaram neste ser, que então pôde criar este MicroUniverso.Seria errado, portanto, atribuir a qualidade de 'causa primeira', ou 'causa incausada' a este cientista.
O mesmo raciocínio pode ser transportado para a nossa realidade.Nenhuma evidência pode ser utilizada para inferir que o Universo precise de uma causa, mas a causa do Universo não precise de nenhuma.E nem o argumento trata de responder essa questão.
O terceiro ponto a ser considerado é que este argumento não é válido se analisado com bastante atenção, pois ele utiliza, como premissa, um fato constatado por análise da realidade, para deduzir algo que antecede a realidade.Veja que é utilizado a regra da 'causa e efeito', que diz que toda causa necessita de um efeito, mas esta regra pertence a nossa realidade, ela está inserida dentro do nosso Universo.Para nós, todo efeito tem uma causa, e podemos chamar essa lei de uma lei implícita.Logo, é sem sentido que eu utilize esta lei, que está contida no Universo, para afirmar que o próprio Universo precisa de uma causa, pois assim eu estaria, em outras palavras afirmando que antes de existir o Universo, existia a necessidade de causas para efeitos, ou seja, que antes de existir o Universo, esta lei já existia.Se tudo o que havia antes do Universo era algum ser inteligente, então este ser inteligente estaria subjulgado a uma lei que já existia antes dele mesmo.Não poderia, portanto, este ser inteligente ser a causa primeira de coisa alguma, pois já existia algo antes dele.Utilizar esta lei para afirmar que o Universo precisa de uma causa é como dar um tiro no próprio pé, pois isto invalida drásticamente o argumento.
Para finalizar, é importante notar que este argumento de nada tem valor sem uma boa dose de fé.Isto é perceptível já no primeiro ponto que considerei, pois quem utiliza este argumento qualifica esta primeira causa da maneira que lhe parece mais conveniente.Um cristão qualifica-a como o deus cristão.Um muçulmano qualifica-a como seu deus islâmico.Esta primeira causa adquire uma faceta diferente, dependendo de quem utilize o argumento.Porém, existe uma característica em comum a todas as intepretações dessa primeira causa, que é a de um ser inteligente, e com vontade deliberada, independente de suas outras características que lhe serão atribuídas dependendo de quem esteja utilizando o argumento.Mas ainda assim o argumento se mostra inútil, pois ele não trata nem mesmo destas duas características básicas, pois uma causa primeira pode muito bem ser algo débil, sem vontade, sem inteligência.Sem contar que, baseado no terceiro ponto que foi considerado, o Universo pode simplesmente não necessitar de causa alguma, já que esta relação causa-efeito é algo inerente ao próprio Universo, e não faz sentido afirmar que antecede o próprio, ou necessitaríamos encontrar transportar o questionamento 'quem é a causa primária?' do Universo para a própria lei da causa-efeito, e assim nos enrolariamos novamente, já que se a lei de causa-efeito necessita de uma causa, então, novamente, existiria uma lei de causa-efeito antes da própria lei de causa-efeito, e todo o argumento se torna sem sentido, a partir daí.
Assim são os cinco argumentos de Tomás de Aquino, sem sentido e todos com a necessidade de uma boa dose de fé para serem engolidos.
Filosofado por Didi 2 divagações
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sexta-feira, 31 de outubro de 2008
Liberdade e Ateísmo
É certo que o ateísmo confere certa liberdade aos que adotam sua filosofia.O ateu não mais se vê diante dos olhos incansáveis de um ente supremo que o seguem até nos momentos de maior intimidade, não mais necessita se sentir culpado ao 'cometer' atos de extrema insignificância, que muitos julgam serem pecados mortais, não mais precisa deixar de gostar de determinadas coisas porque uma deidade em específico desaprova-a, não mais precisa seguir mandamentos que muitas vezes não entende, e até discorda, embora acredite que deva manter essa discordância muda, seguindo cegamente tais ensinamentos, muitas vezes por medo, outras por ambição pelo tão sonhado prêmio eterno.Em resumo, o ateu pode tirar o encéfalo da inércia e começar a usá-lo para julgar, concordar, discordar, opinar.
Não que teístas não possam fazer tais coisas.Obviamente podem, e o fazem.Mas, convenhamos, as restrições são bem maiores.Só por acharem que duvidar da existência de sua divindade já é uma heresia, podemos perceber.Estando mais abertos a novas opiniões, a novos modos de pensar, o ateu (ou pelo menos aquele que duvida, mesmo mantendo a crença, embora seja um paradoxo) acaba apreciando um grau de liberdade mais notável do que o dogmatizado.
É claro que o ateu não é o ser mais livre desse mundo.Claro que não experimentamos a liberdade plena, enquanto os teístas ficam encarcerados dentro de suas convicções inatingíveis por dúvidas.Até porque liberdade plena é algo teórico, e não prático.
O que acontece é que o ateu tem um poder maior de julgamento, que rompe os simplórios limites dos ensinamentos de um livro milenar.O ateu experimenta o poder de entender aquilo que necessita ser estudado, e não simplesmente aceita porque um ser mágico disse que é assim que tem que ser.
Justamente por essa capacidade, somos maus vistos, pois julgam-nos como devassos, puramente hedonistas, sem quaisquer valores, sem moral, pois estes que julgam, acham que valores e moral podem apenas ser extraídos de seu livro sagrado.Acreditam que a moral absoluta está escrita nas páginas de um livro velho, e todos aqueles que não compactuam com esse livro, não seguem essa moral absoluta, logo, são sodomistas.Estes acham que não há motivos, por exemplo, para um ateu ser solidário com um próximo, pois: 1) ele não teme um deus e 2) ele não acredita no céu.Se ele não teme um deus, então não tem porque ele ser solidário, já que Deus nos manda ser solidários, e quem não for, sofrerá as consequências.Se ele não acredita no céu, então não tem porque ele ser solidário, já que Deus diz que apenas os solidários vão para o céu.Logo, nada impede o ateu de chutar o próximo, em vez de dar-lhe roupas de frio ou alimento.
Uma frase muito interessante, que infelizmente não lembro a quem pertence, diz que 'Se agimos bem por medo ou esperando uma recompensa, então somos uma espécie bem medíocre'.Uma pessoa que alimenta tais pensamentos em relação a um ateu com certeza acredita que só existem estes dois motivos para se agir bem, por medo ou por ambição.Se ela acredita que existem apenas estes dois motivos, então podemos concluir que ela age por pelo menos um desses motivos.Ou ela é solidário porque teme o inferno, ou almeja o céu.Que moral é essa? Que valores são esses? Ajudar o próximo apenas porque isso vai lhe garantir uma passagem para o céu? Isso é ser bom?
Se Deus existir, e for justo, então com certeza vai preferir o altruísmo de um ateu, que o faz sem esperar nada em troca, tanto fisica quanto transcendentalmente, a um ato altruísta forçado de um crente, que o faz porque isso vai lhe garantir o céu.Se Deus preferir este último, então não é um ser justo, e acho que vou estar bem melhor no inferno, bem longe dele.
Ateus não são destruidores, assassinos ou pessoas sem compaixão só porque não acreditam que uma boa ação lhe renderá frutos no pós-vida.E também, como os teístas, estamos sujeitos a regras.Todos vivemos em sociedade, e para que ela funcione bem, são necessárias leis.Todos devem estar sujeitos a estas leis.Existem dois tipos de leis, as implícitas e as explícitas.Leis explícitas são aquelas que são traduzidas pro papel.Matar, por exemplo, na nossa sociedade, é um crime, e a pessoa que cometeu tal crime irá pagar com o encarceramento e consequentemente, com o afastamento da sociedade (pelo menos em tese).Mas não matar também pode ser considerada uma regra implícita em uma outra sociedade.A dos babuínos, por exemplo.Um conselho de babuínos não decidiu que matar é algo errado e que os babuínos não devem praticar tal ato, mas mesmo assim babuínos não saem por aí matando seus semelhantes.E a explicação é simples : se fizessem isso, não teria como existir uma sociedade de babuínos, pois eles não poderiam andar juntos, ou brigariam até a morte de um.Sozinhos, são muito mais vulneráveis do que unidos.Essa é uma regra implícita, que existe devido a estrutura da sociedade.Para que haja uma sociedade por mais simples que seja, um conjunto de leis implícitas se faz necessário, entre eles, não matar seus semelhantes.
Portanto, todos, ateus ou não, estamos sujeitos a estas regras.Caso descumpramos uma ou mais, devemos pagar as penalidades que democraticamente são escolhidas (pelo menos em tese).E assim a sociedade vai caminhando, de maneira pacífica.
Imagine um cenário onde todos vivem felizes, com um teto em cima de suas cabeças, com a barriga cheia.Todos vivem pacificamente, amigavelmente, todos curtindo suas vidas da melhor maneira possível.É um cenário utópico? Pelo menos eu acredito que sim.A pergunta é: dogmas religiosos se fazem necessário para que tal cenário se cumpra? Pelo menos eu acredito, veementemente, que não.O que é preciso para que cheguemos o mais perto possível desse cenário? Educação + Leis + Líderes honestos.Tudo começa com uma boa educação.Eu não tive educação religiosas, no entanto, não sinto uma necessidade incontrolável de beber sangue humano, vontade que alguns acreditam que os ateus partilham, simplesmente por serem ateus.Uma boa educação para as crianças, um conjunto bom de leis para que a sociedade funcione e líderes honestos para fazê-las serem cumpridas, e teremos um bom lugar para se viver.Não existe necessidade de religiões.
Um amigo meu acredita que a religião é boa para manter as pessoas mais pobres nos eixos.É uma maneira interessante de pensar, e, por outro lado, muito prosaica.O que é melhor: que mantenhamos as pessoas mais simples em grilhões de crenças sem sentido, ou que façamos investimentos para educar estas pessoas simples, tornando-as mais críticas, e, consequentemente, chegando mais perto do nosso cenário utópico? Sem contar que religião não previne nada, e os apenas 1% do total da população carcerária dos EUA serem ateus, confirma isso.Mais de 95% do nosso país se declarando como pertencente a alguma religião, mas sendo, pelo menos o meu estado, um dos mais violentos do mundo, confirma mais ainda.
Deixo então uma conclusão, e uma idéia: ateus não são seres malignos loucos por almas humanas, pelo contrário, o ato altruísta de um ateu é muito mais belo do que o de um teísta, que pode esconder segundas intenções por trás, e derrubemos igrejas e construamos mais escolas.
Filosofado por Didi 2 divagações
Categorias Vazias : Ateísmo, Pensamentos
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
Tabula Rasa - Parte 1
Os seres humanos são compostos de duas partes, simplificadamente falando, que são a parte biológica e a parte psicológica.Entenda-se psicológica como a cultura que agregamos, o conhecimento que armazenamos etc.
Nossa parte biológica está definida pelos incontáveis genes que compõe nosso código genético.Nosso corpo é a projeção daquilo que está codificado em nossos genes.Obviamente que, ao longo de nossa vida, podemos modificar nosso corpo, mas inicialmente, nosso DNA nos fornece tudo aquilo que bilhões de anos de evolução julgou ser necessário para que sobrevivamos.
Dentro desse DNA, também está codificada a nossa segunda parte componente, nossa psicológico.Nascemos com capacidade para... Com capacidade para falar, com capacidade para aprender, com capacidade para agregar cultura.Não nascemos conhecedores das palavras ou das leis, por exemplo, temos apenas capacidade para aprender.Logicamente, quem nos ensinarão estas coisas que devemos saber serão outros humanos.
Analisando essa forma simplificada de enxergar a condição humana, o que podemos concluir? Bom, podemos concluir que nascemos como uma folha em branco, como uma 'Tabula Rasa', como definiu John Locke, pelo menos em termos culturais, lingüísticos.Após essa conclusão, pensemos : o que defini um ser humano? Podemos ter a definição da espécie Homo Sapiens Sapiens observando apenas nosso componente biológico.O código genético que possuímos, ou fenotipicamente, nossas características, nos definem, biologicamente, como esta espécie.Podemos tentar uma definição mais ousada, e definir como humanos aqueles seres que tem potencial para aprender.Mas logo vemos que essa definição é falha, porque diversos animais tem potencial para aprender várias coisas, como os cachorros, que podem ser adestrados.Podemos então definir humanos como aqueles seres que possuem capacidade de comunicação.Mas ora, chimpanzés também podem se comunicar, visto que vivem em sociedades que por vezes são excepcionalmente complexas.Outra definição que podemos dar para a palavra humanos engloba aqueles conhecimentos que aparentemente apenas nós podemos dominar, como o poder de fazer ciência, ou o raciocínio lógico-matemático.
Se adotarmos essa definição para humanos, podemos automaticamente inferir, dado as premissas anteriores, que não nascemos humanos, somos TORNADOS humanos por outros humanos.Em palavras mais simples, se ser humano significa dominar o conhecimento que aparentemente apenas nós podemos dominar, e tendo em vista que não nascemos com esse conhecimento, apenas o aprendemos ao longo de nossa vida, então não nascemos humanos, nos tornamos humanos ao longo de nosso aprendizado.Nascemos como uma espécie animal, e assim permanecemos até que tomemos parte em alguma cultura, até que comecemos a demonstrar nossa habilidade para o aprendizado.Em suma, nada, inicialmente, nos separa dos animais, em termos biológicos.Temos potencial para linguagem, para o aprendizado, sim, mas como argumentei anteriormente, animais também tem potencial para aprendizado, para a linguagem.Nosso potencial aparentemente é bastante superior, mas isso é apenas uma questão de grau.Os olhos de um gavião são muito melhores do que o de um pequeno canário, mas ambos continuam sendo aves, e ambos continuam sendo animais.Sem contar que essa é apenas uma questão de ferramentas de sobrevivência.Temos potencial superior para aprendizagem, mas morcegos possuem ecolocalização, cães possuem ótimo faro e audição.
Nascemos sem qualquer distinção de qualquer outro animal (na minha opinião, continuamos sem distinção de qualquer outro animal durante toda a nossa vida, até a morte, mas alguns cismam em nos colocar em uma posição superior a dos animais, não admitindo que todos fazemos parte do mesmo saco, mas isso é irrelevante no momento) e permanecemos assim até que nos seja passada nossa cultura característica.
Mas, afinal, para que serve isso tudo que estou falando?
Para demonstrar o quão sem sentido são afirmações como 'Todos nascemos crendo em um deus'.Certa vez, assistindo a um documentário sobre uma mulher atéia, que criava os filhos sem impôr-lhes uma educação religiosa, que foi passar uns dias na casa de uma família cristã, me deparei com a declaração da dona de casa cristã 'É um absurdo o que ela [a moça atéia] faz com seus filhos, pois todos nascemos com a crença em Deus'.A frase não foi absolutamente essa em sintaxe, mas em semântica sim.
Não foi apenas uma vez que, em debates, teístas afirmaram que, por exemplo, uma criança abandonada numa ilha, sozinha, sem qualquer contato com os humanos, apresentaria atitudes semelhantes a credores em deus, ou seja, que essa criança, ao crescer, alimentaria uma crença numa divindade, porque essa crença já estava inserida em sua psiquê desde o nascimento.
Esse tipo de afirmação demonstra desconhecimento em várias áreas do conhecimento, como Biologia, Antropologia, Sociologia.Porque alguns crêem em um ou mais deuses, e como isso provavelmente começou?
Deixo pro próximo post.
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