terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Onisciência x Livre-arbítrio - Parte 1

Este é um paradoxo que desenvolvi um tempo atrás.Diferente do que pode sugerir o título, o foco do paradoxo não é a onisciência de algum deus contra o nosso livre-arbítrio, e sim a onisciência desse deus contra seu próprio livre arbítrio.
Primeiro, vamos definir os termos.Entendamos por onisciência a capacidade de saber tudo, passado, presente e, principalmente, futuro.Portanto, um ser onisciente sabe tudo que ocorrerá no futuro, até o fim dos tempos.Sua sapiência em relação a esse assunto é total, ou seja, infalivelmente, ele sabe o que ocorrerá em qualquer ponto do futuro.E entendamos por liberdade a capacidade de algum ser fazer aquilo que quer e deixar de fazer aquilo que quer, sem que seja compelido a isso.O problema do determinismo é tratado ao longo do texto.

Vou pegar um ser para usar como exemplo.Juliana encontra-se numa sorveteria, e tem dois sabores de sorvete para escolher tomar, morango e chocolate.Juliana afirma ser totalmente livre na sua escolha, então ela diz que pode escolher qualquer um dos dois sabores, mas vai escolher aquele que mais a agrada, o de morango.Como saberemos que Juliana não está escolhendo este sabor apenas porque esta escolha já foi determinada por acontecimentos passados, dentro de um sistema determinista a que ela está imersa? Não poderemos afirmar com certeza, pois não temos meios de comprovar se Juliana poderia realmente deixar de escolher este sorvete e escolhe o outro sabor, dadas as mesmas condições em que se encontrava no momento da escolha.Mas, felizmente, este não é o foco da minha argumentação.

Suponhamos que Juliana, enquanto conversa com seus amigos na sorveteria, afirme ser possuidora de um fantástico poder : ela pode prever o futuro.Juliana se diz onisciente e, para provar, ela afirma que previu que daqui a um dia, ela estaria novamente em uma sorveteria, e iria escolher um sorvete com sabor de chocolate.É justamente aqui que encontramos o problema.

Juliana se diz onisciente e livre, mas pretendo mostrar que estas características são incompatíveis, ou seja, não podem vir juntas em um ser.Para provar, vamos supor que ambas são verdadeiras, e encontrar as contradições que isso nos evidenciará.

Se Juliana realmente for onisciente, então sua previsão, a de que um dia dali para frente, ela estará numa sorveteria tomando um sorvete de chocolate, irá se realizar, pois assim é a onisciência, tudo que é previsto, é realizado.Porém, Juliana também diz ser livre, ou seja, pode deixar de fazer aquilo que quer, caso queira, então poderá ela deixar de escolher o sorvete de chocolate, se quiser? Vamos analisar ambas as situações :

a) Juliana deixa de escolher o sorvete de chocolate : Se Juliana é livre, então ela pode deixar de escolher o sorvete de chocolate se quiser, mas veja que isso compromete totalmente a sua onisciência, pois ela havia previsto que escolheria o sorvete de chocolate.Torna-se, então, impossível afirmarmos que Juliana realmente é onisciente, pois sua previsão foi um fracasso (o que ela previu, não se realizou)

b) Juliana escolhe o sorvete de chocolate : Se a onisciência de Juliana é plena, tudo que ela prevê, acontece, então ela nunca poderá deixar de escolher o sorvete de chocolate.Ora, mas se ela não pode deixar de escolher este sabor de sorvete, então ela não pode se definir como livre, pois não poderá fazer algo, ela terá, de qualquer jeito, que escolher este sabor de sorvete, independente de sua vontade, pois uma prerrogativa básica da onisciência plena é que o futuro é totalmente determinista, definido pelas condições do presente, imutável, portanto.Se é assim que as coisas funcionam, então podemos concluir que nosso presente é totalmente dependende de condições do passado, desde o começo dos tempos.Sendo assim, toda a minha vida já estava definida antes mesmo deu ter pensado em existir.

Uma onisciência plena traz consigo a necessidade de um futuro imutável, determinado, e este cenário é totalmente incompatível com o livre-arbítrio, pois todas as minhas futuras escolhas já estão decididas por eventos que ocorrerão antes, até mesmo, do meu nascimento.Minha vida já está traçada, minha vontade já está determinada, não tenho qualquer controle sobre ela.Sendo assim, liberdade e onisciência são duas características que só funcionam em cenários bem distintos, e totalmente opostos, não podendo estar ambas presentes numa mesma configuração de realidade.

Podemos aplicar essa idéia a qualquer ser, seja uma pessoa ou um deus que interfere na sua criação.E é simples visualizar isso, pois, se este deus é onisciente, então todo o futuro de sua criação já está determinado no momento que ele a cria.Se ele interfere em sua criação, como executar milagres para pessoas, por exemplo, estas suas ações já estão determinadas desde o exato momento que ele cria todo este Universo, portanto, ele paga um preço pela sua onisciência : perde sua liberdade.
Se no momento que ele dá vida à sua criação, as suas ações sobre essa criação já estão definidas, ele não poderá deixar de não fazer estas ações, ou isso comprometeria sua onisciência.Se ele fizer estas ações, isso compromete sua liberdade.

Infelizmente, esse argumento tem um erro fácil de ser notado : é necessária uma noção de tempo, antes e depois, passado, presente e futuro, para que funcione.Se eu postular um deus extra-temporal, o argumento perde o sentido.Mas, se eu postular um deus extra-temporal, isso vai comprometer outra coisa : NOSSO livre-arbítrio, de uma maneira irrevogável e definitiva.Em outro post eu demonstro porque.

Este argumento não é de todo inútil, apesar de não servir exatamente para deuses, serve muito bem para pessoas que dizem ter o poder de ver o futuro, coisa que não é raro.Todos gostam de se acharem livres, então argumente desta forma com uma pessoa assim, pergunte-lhe se está disposta a sacrificar sua liberdade em prol do seu poder.

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