terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Causa Primeira ou Causa Eficiente

Um dos argumentos defendidos por Tomás de Aquino chama-se Causa Primeira, ou Causa Eficiente.Uma síntese do que diz esse argumento pode ser encontrado aqui, mas transcreverei-o :

Causa Primeira ou Causa Eficiente Decorre da relação "causa-e-efeito" que se observa nas coisas criadas. Não se encontra, nem é possível, algo que seja a causa eficiente de si próprio, porque desse modo seria anterior a si prórpio: o que é impossível. É necessário que haja uma causa primeira que por ninguém tenha sido causada, pois a todo efeito é atribuída uma causa, do contrário não haveria nenhum efeito pois cada causa pediria uma outra numa sequência infinita e não se chegaria ao efeito atual. Logo é necessário afirmar uma Causa eficiente Primeira que não tenha sido causada por ninguém. Esta Causa todos chamam Deus. Assim se explica a causa da existência do Universo.

Este argumento é bastante lógico, e bastante utilizado por diversos teístas para darem suporte a sua afirmação de que deus existe, mas ele tem várias falhas, e uma análise apurada nos leva a concluir que este argumento é, basicamente, inútil para a conclusão a que querem chegar.

O primeiro ponto a ser considerado é que o argumento tem como conclusão que houve uma causa primeira para o Universo.Mas e daí? No que isso nos ajuda a concluir que essa causa é alguma espécie de ser inteligente? Em nada ajuda, pois este argumento não se preocupa em qualificar esta primeira causa, ele serve apenas para nos levar a concluir que tem que ter havido uma primeira causa, mas nada diz sobre ela.É desnecessário, portanto, um argumento para isso, já que, praticamente todos, aceitam que o Universo teve uma causa, e investigam a Natureza a fim de deduzir que causa foi essa, qualificando-a, coisa que este argumento não faz.Portanto, de nada nos serve esse argumento para afirmar que um ser inteligente foi a causa do Universo.

O segundo ponto a ser considerado é que, por pura fé, apenas o Universo necessita de uma causa, mas não deus.Em outras palavras, teístas acreditam que o Universo é um efeito, portanto, requer uma causa, e postulam deus como a causa primária, a causa incausada, e assim terminam a argumentação, como se isso fosse algo auto-evidente.Mas não é.Porque deus não necessitaria de uma causa também? Quais evidências tenho para afirmar que é deus, apenas, a causa incausada, e não um supra-deus, que teria criado deus, que teria criado o Universo? Ou ainda, um supra-supra-deus, e assim sucessivamente.Poderia até mesmo supor que a primeira causa não tenha sido inteligente, com vontade deliberada, mas esta tenha dado origem a um ser inteligente, e este tenha dado origem ao nosso Universo.
Vou exemplificar melhor.Suponhamos que exista um MicroUniverso, criado por algum cientista.Seres atômicos povoam este MicroUniverso, e, após certo tempo de existência, eles adquirem inteligência e começam a questionar os motivos de sua existência.Alguns microseres, então, postulam que houve uma primeira causa, antecendente a seu MicroUniverso, e esta causa foi um ser inteligente, que o criou a partir de vontade deliberada.Esta afirmação estaria correta? Sim, e não, pois de fato foi um ser inteligente que criou este MicroUniverso, mas ele não foi a causa primeira, pois muitas outras causas antecederam este ser inteligente, que culminaram neste ser, que então pôde criar este MicroUniverso.Seria errado, portanto, atribuir a qualidade de 'causa primeira', ou 'causa incausada' a este cientista.
O mesmo raciocínio pode ser transportado para a nossa realidade.Nenhuma evidência pode ser utilizada para inferir que o Universo precise de uma causa, mas a causa do Universo não precise de nenhuma.E nem o argumento trata de responder essa questão.

O terceiro ponto a ser considerado é que este argumento não é válido se analisado com bastante atenção, pois ele utiliza, como premissa, um fato constatado por análise da realidade, para deduzir algo que antecede a realidade.Veja que é utilizado a regra da 'causa e efeito', que diz que toda causa necessita de um efeito, mas esta regra pertence a nossa realidade, ela está inserida dentro do nosso Universo.Para nós, todo efeito tem uma causa, e podemos chamar essa lei de uma lei implícita.Logo, é sem sentido que eu utilize esta lei, que está contida no Universo, para afirmar que o próprio Universo precisa de uma causa, pois assim eu estaria, em outras palavras afirmando que antes de existir o Universo, existia a necessidade de causas para efeitos, ou seja, que antes de existir o Universo, esta lei já existia.Se tudo o que havia antes do Universo era algum ser inteligente, então este ser inteligente estaria subjulgado a uma lei que já existia antes dele mesmo.Não poderia, portanto, este ser inteligente ser a causa primeira de coisa alguma, pois já existia algo antes dele.Utilizar esta lei para afirmar que o Universo precisa de uma causa é como dar um tiro no próprio pé, pois isto invalida drásticamente o argumento.

Para finalizar, é importante notar que este argumento de nada tem valor sem uma boa dose de fé.Isto é perceptível já no primeiro ponto que considerei, pois quem utiliza este argumento qualifica esta primeira causa da maneira que lhe parece mais conveniente.Um cristão qualifica-a como o deus cristão.Um muçulmano qualifica-a como seu deus islâmico.Esta primeira causa adquire uma faceta diferente, dependendo de quem utilize o argumento.Porém, existe uma característica em comum a todas as intepretações dessa primeira causa, que é a de um ser inteligente, e com vontade deliberada, independente de suas outras características que lhe serão atribuídas dependendo de quem esteja utilizando o argumento.Mas ainda assim o argumento se mostra inútil, pois ele não trata nem mesmo destas duas características básicas, pois uma causa primeira pode muito bem ser algo débil, sem vontade, sem inteligência.Sem contar que, baseado no terceiro ponto que foi considerado, o Universo pode simplesmente não necessitar de causa alguma, já que esta relação causa-efeito é algo inerente ao próprio Universo, e não faz sentido afirmar que antecede o próprio, ou necessitaríamos encontrar transportar o questionamento 'quem é a causa primária?' do Universo para a própria lei da causa-efeito, e assim nos enrolariamos novamente, já que se a lei de causa-efeito necessita de uma causa, então, novamente, existiria uma lei de causa-efeito antes da própria lei de causa-efeito, e todo o argumento se torna sem sentido, a partir daí.

Assim são os cinco argumentos de Tomás de Aquino, sem sentido e todos com a necessidade de uma boa dose de fé para serem engolidos.

2 comentários:

Thiago disse...

falar de um pensador como tomás que lhe falta agudeza de raciocínio e capacidade argumentativa é quase uma heresia. ele foi simplesmente brilhante - com ou sem fé.

sua "suma teológica" soma três grandes tratados. cada um desses tratados é composto por questões que, por sua vez, se desdobram em artigos. como você já pode notar por aí, a sua obra tanto quanto o seu pensamento possui um caráter fortemente sistemático - de modo que arrancar uma das suas explicações de dentro do seu corpo conceitual para refutá-la, de maneira totalmente descontextualizada e sem o suporte das conclusões que a antecedem, é, quando mínimo, má-vontade intelectual.

a segunda questão do primeiro tratado versa sobre a existência de deus. nos dois primeiros artigos dessa questão São tomás tenta estabelecer sobre deus: 1. se a sua existência é auto-evidente, concluindo que não; logo, 2. precisa ser demonstrada, sendo então necessário estabelecer: 2a. se pode ser demonstrada e 2b. como pode ser demonstrada. conclui que ela pode sim ser demonstrada, mas só a partir dos seus efeitos.

as cinco vias da demonstração da existência de deus estão lá no terceiro artigo daquela mesma questão.

a primeira via é baseada no argumento do movimento. o movimento é a passagem da potência ao ato; só algo que existe já em ato pode fazer com que algo que existe em potência passe a ato. assim, tudo que se move é, em última instância, movido por algo imóvel. esse primeiro motor é deus.

deixarei as outras 4 vias para mais tarde.

ps: ah, como não sou estudioso de são tomás, as informações técnicas aqui dispostas foram retiradas e resumidas do livro do danilo marcondes, "iniciação à história da filosofia".

Didi disse...

Os três primeiros argumentos de tomás de aquino falam basicamente da mesma coisa, só que com outras palavras.

Primeiro motor = primeira causa, só mudam as definições.
Tratarei disso adiante, juntamente com os outros 2 últimos.

Não o fiz unicamente num post pois tornaria a leitura cansativa e desinteressante.

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