terça-feira, 19 de maio de 2009

O homem na caixa - Parte 1

Como eu já procurei demonstrar em três artigos anteriores, este, este e este, entendo ser perfeitamente possível que a ciência humana, esta mesma ciência responsável pela busca de respostas no mundo físico, possa também desempenhar o papel de árbitro no julgamento da validade de afirmações extraordinárias, especialmente as de cunho metafísico.

Normalmente, os defensores da existência de fenômenos não fundamentados no mundo físico justificam a ausência de evidências científicas para a realidade de tais fenômenos argumentando que a ciência, como produto do raciocínio humano, é limitada àquilo que nossos sentidos limitados conseguem captar, sendo, portanto, incapaz de alcançar uma suposta camada superior ao mundo físico.Eles costumam dizer, inclusive, que sendo a ciência tão limitada quanto nós, é impossível que ela consiga descrever a realidade da maneira que ela realmente é.

De certa forma, há verdades nessas afirmações, mas de longe elas podem ser tomadas como válidas de maneira que possam invalidar a ciência humana.
É perfeitamente entendido que existem dois tipos de realidades, a subjetiva e a objetiva (demonstrei a existência da realidade objetiva em outro artigo).Nós, como seres viventes imersos na realidade objetiva, podemos ter acesso às informações dessa realidade através de canais que absorvem tais dados e os transforma em informação cogniscível a nós.Esses canais são nossos sentidos.Diferenças na frequência de ondas eletromagnéticas são transformadas naquilo que chamamos de cores, por exemplo.
A ciência trabalha com a criação de modelos, que são os meios utilizados para descrever a realidade objetiva da forma como podemos entendê-la.Cientificamente falando, não faz diferença se, por exemplo, o elétron é diferente daquilo que imaginamos que seja, desde que o modelo criado para o elétron seja capaz de descrever perfeitamente seu comportamento e as interações que ele é capaz de fazer.Esses modelos são a forma utilizada para descrevermos as estruturas existentes na realidade objetiva.Como é impossível para qualquer ser que exista, ou venha a existir, entrar em contato direto com a realidade objetiva, isto é, sem que seja através da interpretação das informações pelos sentidos, modelos são o mais perto possível que podemos chegar da verdade.
É errado, portanto, dizer que nossos modelos são errados, que eles não descrevem a realidade como ela é e, portanto, são essencialmente inúteis.Graças a esses modelos chegamos ao nível tecnológico em que nos encontramos hoje, já que eles nos deram a capacidade de entender a realidade e manipulá-la a nosso favor.É claro que, como todas as coisas em ciência, tais modelos são efêmeros, e podem ser substituidos por novos modelos, melhores e mais completos, caso haja necessidade.Diferente dos defensores de realidades alternativas, a ciência não toma pra si o direito de decidir o que é verdade absoluta do que não é.

A grande questão é que estes modelos não estão limitados apenas na descrição de fenômenos puramente físicos, eles também podem ser criados para descrever fenômenos de cunho não-físico, desde que eles tenham influência no mundo físico.Vou criar uma parábola para exemplificar tal pensamento.

Suponhamos que exista uma caixa, cujas dimensões são irrelevantes.Dentro dela, é posto um bebê humano recém-nascido.Ele se desenvolve nessa caixa e atinge a fase adulta, quando estará com seu intelecto perfeitamente formado.A maneira como ele sobreviveu dentro dessa caixa sem ajuda de ninguém também é irrelevante.Dentro dessa caixa, apenas uma lâmpada no teto, que permanece acesa indefinidamente.A realidade a que esse ser humano tem acesso está limitada às dimensões dessa caixa.Como as sombras na caverna de Platão, esse homem acredita que sua vida é limitada a andar de um lado ao outro da caixa, banhado pela luz de uma lâmpada incandescente, pro resto de sua existência.Como não tem mais nada pra fazer, esse se limita a passar todo o tempo que está acordado a pensar.Ele então imagina que fora daquela caixa deve existir um mundo onde existão pessoas como ele, e elas dirigem veículos que se movimentam mecanicamente, e que existe algo grande e amarelo aparentemente imerso em algo azul, que fica acima de suas cabeças, e que ilumina tudo o que está abaixo, da mesma maneira que sua lâmpada incandescente.

Esse homem nunca poderá ter certeza se, de fato, existe uma camada externa de realidade, chamemos assim, a sua realidade acessível.Ele nunca poderá ter certeza se existem pessoas fora da caixa, se elas dirigem carros e são banhados pela luz do Sol.Ele pode até imaginar, criar hipóteses, mas elas nunca poderão ser tomadas como verdadeiras.Se pusêssemos um outro ser humano na caixa, um cético, que se permite o direito de tomar como verdade apenas aquilo que é acessível, o outro homem jamais poderia convencê-lo de que, de fato, existe um mundo externo a essa caixa.Não haveria distinção entre a fantasia do homem e a realidade que poderia existir.Ele poderia imaginar que, da mesma forma que pessoas semelhantes a ele, fora dessa caixa, se locomovem utilizando veículos automotores, existem pessoas que voam pelos céus utilizando seus cavalos mágicos, com asas e chifres, carinhosamente chamados de unicórnios.Qual seria o método utilizado para diferenciar estas duas coisas, classificá-las como possivelmente existentes e como puramente fantasia?

Em um próximo post, finalizo essa empreitada.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Onisciência x Livre-arbítrio - Parte 2

Na primeira parte do post sobre o paradoxo envolvendo onisciência e livre-arbítrio, introduzi o conceito do paradoxo que envolve deuses (ou qualquer criatura que julgue possuir onisciência) temporais, ou seja, que estão imersos na dimensão tempo, como nós.
Porém, existem duas possibilidades: ou o deus (ou a criatura) está imerso no tempo, ou seja, faz parte dessa dimensão, bem como nós, seres mortais, ou este mesmo ser NÃO está imerso nessa dimensão, portanto, é uma criatura atemporal, extra-temporal.
Quando o argumento do paradoxo onisciência x livre-arbítrio é apresentado, normalmente os teístas declaram-no como ineficiente, pois um deus que criou o próprio tempo não pode estar subjugado a ele.Este deus criador é, portanto, atemporal, e o paradoxo não se aplica a ele.Concluem eles, portanto, que a onisciência convive bem com o livre-arbítrio em um cenário onde um deus atemporal criou a estrutura espaço-temporal e encontra-se fora dela.

Eu, porém, tenho uma visão diferente.Não acredito que postular um deus atemporal sane o problema, pelo contrário, cria um novo problema, equivalente ao problema do deus temporal.

Um deus atemporal enxergaria o Universo temporal da mesma maneira que nós podemos pegar um rolo de filme (daqueles bem antigos, onde os quadros ficavam em sequência no rolo do filme) e enxergar todos os quadros do filme basicamente 'ao mesmo tempo'.Isto é, um deus atemporal, ao criar o Universo, imediatamente, como ser atemporal, vislumbraria toda a História da sua criação de uma vez só.Veria o começo, o meio e o fim deste Universo, e poderia percorrer cada 'quadro' deste 'filme' como bem quisesse.
Acredito que as ilustrações tornarão as coisas mais claras.






Uma vez que o deus vislumbre toda a História da sua criação, do começo ao fim, isso automaticamente anula nosso livre-arbítrio, pois este deus deu origem a sua criação com uma linha bem determinada de eventos, indo do começo ao fim, da mesma maneira que um roteirista entrega o roteiro pra os atores, e a história do filme correrá de acordo com aquele roteiro pré-determinado.Os atores não têm o livre-arbítrio para agir como bem quiserem, eles têm de seguir o que está pré-determinado no script.
Nós, da mesma forma, estamos seguindo um script já determinado pela criatura criadora de toda a História do Universo.
Não há, portanto, nenhum livre-arbítrio.

Se pudéssemos fazer as nossas escolhas livremente, teríamos o poder de surpreender o deus criador pois, para termos total liberdade em nossas escolhas, elas não podem estar pré-determinadas por ninguém.Mas não é isso que acontece num cenário onde um deus atemporal exista.
O que podemos ter é apenas uma falsa sensação de liberdade de escolha.Eu posso escolher um sabor entre dois sabores de sorvete.Eu acredito que tenho total liberdade para escolher, mas a criatura atemporal criadora da realidade já sabe, de antemão, qual será a minha escolha, e pior, foi ela quem criou todos os 'quadros' posteriores ao instante em que vou fazer minha escolha.Eu nunca tive o poder de escolher o sabor diferente do que eu escolhi.

Ainda existe uma outra possibilidade dentro desse cenário de um deus atemporal, baseado na interpretação de Everet para a probabilidade que rege o mundo quântico.Argumentarei sobre isso em um próximo post.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O Material, o Imaterial e o Ceticismo - Parte 2

Muitas são as discussões que giram em torno de temas que dizem respeito a fenômenos não-físicos, como projeção astral, EPS (experiências extra-sensoriais), visão remota, precognições, telecinese, mediunidade, entre outros supostos fenômenos que são categorizados como sobrenaturais (ou supranaturais).
São chamados de não físicos, metafísicos, pois acontecem em uma esfera superior à física.Por exemplo, a queda de uma pedra é um fenômeno físico, pois as partes envolvidas são consideradas entidades físicas (pedra e planeta, ambos compostos, em escala atômica, de átomos), e o fenômeno em si é regido por leis físicas (a gravidade, uma das forças fundamentais, embora ainda não totalmente compreendida, é responsável pela atração à pedra, que a faz, nos nossos termos, cair).Mas como explicar, por exemplo, uma viagem astral, supondo que o fenômeno, de fato, ocorra? Do que seria composta a consciência projetada? De moléculas? De ondas eletromagnéticas? Muito provavelmente não.E quais as leis que regem esse fenômeno (existe leis, de fato, como proclamam os defensores de tais fenômenos, como a indestrutibilidade do chamado 'cordão de prata', que seria o elo entre o corpo físico e o corpo astral)? Como explicá-las em termos físicos, e prevê-las? Se, de fato esse fenômeno ocorre, tais explicações encontram-se distantes da capacidade científica atual, portanto, são considerados como fenômenos não físicos.

Embora sejam fenômenos não físicos, provar a existência de tais fenômenos é algo perfeitamente possível, apesar do que a maioria dos defensores de tais fenômenos discordarem, pois julgam a ciência atual como prosaica, incapaz de lidar com tais tipos de eventos.Pretendo demonstrar como é possível provar a existência de tais fenômenos utilizando a ciência física.

Todo fenômeno não físico tem uma consequência no mundo físico, o que habitamos.Digamos que eu chegue para você e diga que tenho uma criatura que habita o mundo não físico bem no meio da minha sala.Digo que li alguns artigos pela internet e descobri como 'capturar' essa criatura.Bastou espalhar alguns papeizinhos com alguns encantamentos pelo chão, e a criatura, ao passar por ali, ficou aprisionada.Você fica animado e segue o diálogo:

_Fantástico, e o que essa criatura pode fazer?
_Oh, é incrível, ela pode conjurar objetos do nada, ela tem o poder de prever o futuro, ela pode flutuar, pode mexer com os elementos, como fogo, água, pode falar em todas as línguas conhecidas, é incrível.
_Que legal, vamos lá vê-la.

Chegando na minha sala:

_Ué, mas onde está a criatura?
_Ora, ela está bem ali no meio.
_Mas... eu não a vejo.
_Ah, claro, porque ela é uma habitante do mundo não físico, você não pode vê-la no mundo físico, ela é invisível.
_Poxa, mas que chato.Mas deixe-me tocá-la então.
_Ah, não dá, ela também é incorpórea.
_Uhm, certo.Então vamos vê-la falando alguma língua, ou fazendo alguma previsão do futuro.
_Ih, ela até pode falar, mas não vamos ouví-la, só é possível ouví-la no mundo não físico.
_Poxa, então vamos pedí-la pra manipular algum elemento, traga um copo d'água.
_Impossível, ela só pode manipular a essência do elemento que habita o mundo não físico, não podemos ver essa essência.
_E que tal pedirmos para ela conjurar algum objeto?
_Ah, isso ela pode fazer, mas os objetos conjurados também só são existentes no mundo não físico, não poderíamos tocá-los, ou vê-los.

Para cada idéia que você dá para verificarmos a existência dessa criatura, eu dou uma desculpa, dizendo que não vai ser possível por uma série de motivos.[1]


A questão central é: se não é possível, de forma alguma, verificar a existência dessa criatura, como eu posso ter afirmado que ela existe? Como eu, a princípio, posso ter dito que a capturei, se, de forma alguma, eu posso ter acesso a qualquer coisa que essa criatura possa fazer, e a qualquer consequência de alguma ação que essa criatura possa executar?
Qual é a diferença, portanto, entre essa criatura existir, e não existir? Nenhuma, pois ela não interfere de forma alguma com o mundo físico.A falta de evidências dessa criatura na minha sala não é uma evidência para que você afirme que ela não existe no mundo não físico (você pode afirmar que, pelo menos ali na minha sala, ela não existe), mas, o mais importante, eu não posso, de maneira alguma, afirmar que ela existe, pois não tenho qualquer evidência disso.[2]



É exatamente aqui que entra a fé, mas não quero entrar no mérito dessa questão nesse post.Vamos dar prosseguimento, e continuar a argumentação, com o exemplo do ser do mundo não físico em mente.

Quando um defensor de fenômenos supernaturais afirma que não são necessárias (ou não são possíveis de se obter) provas sobre esse fenômeno, ou até mesmo evidências, o que, em suma, ele está afirmando? Exatamente o que eu afirmei a respeito da criatura do mundo não físico.
Alguém que afirme que não é possível obter provas de fenômenos não físicos, nem mesmo evidências, está admitindo que seu fenômeno não tem qualquer interferência no mundo físico, portanto, para todos os efeitos, tal fenômeno não existe, e o defensor de tal idéia não está em posição de afirmar tal coisa.

Para uma visão mais clara, vamos pegar a projeção astral, um suposto fenômeno supranatural, e analisar sob o ponto de vista da argumentação desenvolvida.
Para os que não sabem o que é projeção astral, podem conferir nesse link.Tendo o conceito em mente, vamos supor que eu diga que sou capaz de realizar uma viagem astral, e você, espantado, quer saber como isso é.Segue o diálogo:

_Muito legal, então você realmente pode sair do seu corpo?
_Posso sim, eu projeto minha consciência no mundo astral.
_E o que você pode fazer lá?
_Eu posso sair por ai voando, encontrar várias pessoas, vários seres astrais, viajar pra lugares distantes apenas pensando, é fantástico.
_caramba, muito legal, mas... como você sabe que isso não é apenas um sonho?
_Ora, isso é muito diferente de um sonho.Eu projeto minha consciência para fora do meu corpo.
_Ah, mas pode muito bem ser um sonho.Porque a gente não faz assim, você deita aí e tenta se projetar pra eu ver.
_Não vai funcionar, porque o perispírito é invisível, você não vai vê-lo.
_Então se projeta e derruba alguma coisa, faz algum barulho.
_Não dá, ele também é incorpóreo, não posso tocar nem segurar em nada.
_Então vamos fazer assim, eu pego alguns objetos, vou pro outro quarto, você se projeta pra lá, vê que objetos são, e depois eu volto aqui e você me diz quais eram.
_Ah, num vai dar, a gente só tem acesso ao mundo astral, não podemos visualizar o mundo físico.

Qual a difereça substancial entre esse diálogo e o diálogo anterior? Nenhuma.Novamente, eu demonstro que, de maneira alguma, eu posso interferir no mundo físico, de maneira alguma eu posso evidenciar pra outrem que eu, de fato, estou realizando algum fenômeno não físico, ainda não compreendido pela ciência, simplesmente porque não posso provar que estou realizando essa fenômeno.
Segue a pergunta anterior: Como saber se isso não é apenas um sonho, um delírio, ou até mesmo uma sensação provocada por mecanismos cerebrais?
Não tem como diferenciar.Acreditar que não é apenas um sonho, ou qualquer outra coisa física, não passa de pura fé.

Mas tem uma coisinha sobre esse diálogo: ele não é verdadeiro, pois os defensores da projeção astral afirmam categoricamente que é possível 'viajar' pelo mundo físico, embora não seja possível interagir com ele, mas é perfeitamente possível visualizá-lo, como se estivesse em seu corpo físico.
Sendo assim, a experiência proposta por você seria perfeitamente executável.Ou seja, você poderia escolher alguns objetos que eu não veja, levar para um outro quarto, por exemplo, e eu me projetaria até lá, veria os objetos e depois os descreveria para você.De que outra forma eu saberia exatamente quais são esses objetos, se não pode algum mecanismo não físico? Isso poderia não provar categoricamente uma viagem astral, como ela é descrita, mas pelo menos evidenciaria a existência de mecanismos não físicos, ainda desconhecidos.Mais alguns experimentos controlados, e com sucesso, e teríamos um fato muito interessante pra pesquisar.

Isso não é só aplicável à projeção astral, e sim a qualquer fenômeno dito supranatural.Concluo, portanto, que, embora tais supostos fenômenos ocorram numa esfera não física, seus efeitos podem ser perfeitamente verificáveis na esfera física (seus efeitos são diferentes do fenômeno em si.No exemplo da projeção astral, o fenômeno em si, e o mecanismo e as leis que regem esse fenômeno se desenrolam numa escala não física, mas seus efeitos são verificáveis na escala física, a saber, a possibilidade de 'saber' quais objetos estão escondidos em outro quarto, um feito impossível de ser realizado por meios físicos).Logo, é totalmente possível provar a existência de tais fenômenos e, se um defensor dessas fenomenologias afirma categoricamente sua existência, ele deve ter em mãos as evidências destas, ou estará se passando como um bobo que afirma que capturou seres astrais intangíveis, incorpóreos, invisíveis, inatingíveis, no meio de sua sala.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

O Material, o Imaterial e o Ceticismo - Parte 1

Parece ser um consenso entre os defensores de filosofias espiritualistas, esotéricas, místicas, holísticas, entre outras, que o ceticismo é um inimigo a ser combatido, que todo cético é um cego desmiolado, e medroso, que, por se sentir seguro com o seu materialismo exacerbado, teme o desconhecido e o não-físico, da mesma maneira que uma criança teme a escuridão.

Não é necessário dizer que não há medo algum por parte do ceticismo, e a hostilidade apresentada pelos defensores dessas teorias é, na verdade, o mecanismo de defesa contra o método investigativo dos céticos, simplesmente porque tais teorias carecem de evidências para se sustentarem, e são defendidas unicamente com fé.

Primeiro, é importante que definamos o que é o ceticismo, e o que é ser cético.Na minha concepção, ceticismo pode ser definido como um postura inquiridora.Tudo é passível de desconfiança, e a dúvida é o melhor caminho para que cheguemos a uma verdade, ou pelo menos o mais próximo dela.Não vou fazer uma análise histórico-filosófica sobre o termo, esta definição encaixa no proposto a esse post.É também semelhante a definição aceita pela maioria.
A dúvida consiste na não aceitação, e também na não negação, do objeto de estudo.Se alguém diz que foi raptado por alienígenas, eu tenho a opção de acreditar, de não acreditar e de duvidar.A dúvida deve ser imparcial, pelo menos no que se propõe à análise.Obviamente eu posso ter a minha opinião pessoal a respeito do assunto, mas essa não deve ser a posição oficial do cético, da mesma maneira que cientistas podem ter suas opiniões pessoas acerca do experimento que estão realizando, mas o método científico deve ser, pelo menos em tese, imparcial e cético.
O método investigativo utilizado pelos céticos para analisar fenômenos, sejam supostamente sobrenaturais, ou físicos (como a ciência em si), não difere do método científico.Buscamos evidências, as analisamos, formulamos teorias, chegamos a conclusões.

O cético é, portanto, aquele que mantém uma postura oficial imparcial frente ao objeto de estudo, e busca, através de métodos pré-estabelecidos, uma conclusão a respeito da alegação que está estudando: se é falsa ou verdadeira.
Aquele que nega uma alegação antes de se prestar a estudá-la não é cético, e o que mais existem são os pseudocéticos, aplicando o pseudoceticismo achando que, por ignorância ou por preguiça, que essa é a verdadeira postura cética.

Fica óbvio, através da definição, que as alegações por parte dos defensores de filosofias não físicas de que céticos são cegos ou que 'não querem enxergar a verdade' é totalmente infudada.O cético apenas se reserva o direito, mais do que sensato, de não aceitar alegações extraordinárias instantaneamente, e sim propor um estudo em cima do que é possível reunir de supostas evidências, para poder chegar a uma conclusão.Esse é o cerne do pensamento crítico.Qualquer um que vire adepto de qualquer filosofia sem questioná-la, buscar as provas de sua validade, é um acéfalo.

Terminadas as definições, pretendo demonstrar, através da argumentação, que o método investigativo baseado no ceticismo pode, independente de qual alegação está sendo estudada, ser utilizado para se chegar a uma conclusão sobre a veracidade ou não do objeto de estudo.

Mas fica pro próximo post.

domingo, 29 de março de 2009

O Início das Crenças

No post anterior, discorri sobre as duas componentes do ser humano, sem entrar em muitos detalhes, e no final iniciei um tema que sempre aparece em debates com teístas, que é a propensão humana a ter crenças em divindades.

Deixei duas perguntas : como essa rede de crenças teve início, e porque alguns permanecem crendo em um deus? Apesar do meu pouco gabarito para falar sobre isso, vou tentar, apoiando-me em alguns artigos já lidos, e na minha opinião própria.

Possivelmente, a crença em um deus teve início lá nos primórdios da humanidade, quando os macacos-quase-pelados davam passos na areia e começaram a ter noção de que aquelas pegadas eram as marcas dos seus pés.Os seres humanos têm um característica fascinante : curiosidade.Temos necessidade de descobrir coisas, de conceituar e definir.Precisamos tornar as coisas claras, nos assusta a idéia do desconhecido.A morte, por exemplo, não é a grande inimiga da maioria a toa, afinal, ninguém voltou pra contar como é o lado de lá.Apesar dos pobres mortais construirem crenças na tentativa de apazigar esse medo, na tentativa de definir o pós-morte, vemos que isso quase nunca tem um resultado satisfatório, já que mesmo tendo crenças, a grande maioria continua com medo de morrer.
Temos, então, quase como uma necessidade biológica, o intuito por definirmos algo.Quando essa características começou a aflorar na mente humana, admito não fazer a menor idéia, sei apenas que em algum momento, esta característica, mesmo que prosaicamente, aflorou.E, tendo em vista o que vou argumentar mais a frente, acredito que tenha sido imediatamente antes das primeiras crenças em divindades.
O hominídio, com sua consciência ainda em fase de desenvolvimento, provavelmente se viu indefeso frente a um mundo gigantesco que se abria diante de seus olhos.Cães adormecem e acordam tranquilamente, pois não tem consciência de sua existência.Tudo o que é necessário para que sobrevivam na realidade em que estão imersos está definido em sua componente biológica.Não precisam ser conscientes e ter um apurado senso de julgamento para sobreviverem.Já com os hominídios, provavelmente o mesmo não aconteceu.O que foi necessário, então, fazer? Começar a definir aquilo que os cercava.Definir simplificadamente, óbvio.Não me parece lógico um quase-macaco, um milhão de anos atrás, concluindo que as luzes que via no céu durante uma tempestade eram fruto do choque de nuvens com cargas opostas, e que essa colisão provocava a ionização do ar, resultando no relâmpago que estava visualizando.
Como ocorreu então essas definições? De maneira natural.O homem tinha apenas o mundo natural para ajudá-lo a definir as coisas, e em seu mundo, ele dispunha de duas figuras : ele próprio e os animais.Foi, acredito, nessa época primitiva, que começaram a surgir os primeiros deuses totêmicos e antropomórficos.
Imagine você, um hominídio totalmente primitivo, sem absolutamente qualquer conhecimento, diante de uma tempestade de proporções catastróficas.Como definir algo assim? Você dispõe apenas de dois tipos de seres que, durante suas experiências cotidianas, lhe pareceram capazes de executar ações : você próprio e os animais.Durante seu dia-a-dia, o hominídio era constantemente exposto a ações que eram realizadas por estes dois seres.Nada mais normal que julgar uma tempestade torrencial como uma ação executada por algo.Como o hominídio nunca vira uma pedra executando nada, perfeitamente compreensível que julgasse uma tempestade como obra de alguma entidade que guardava certa semelhança com os dois seres com quem convivia.

Não estou afirmando que logo após a primeira tempestade, o hominídio correu pra primeira árvore, tirou uma lasca de madeira e esculpiu a figura do primeiro deus.Estou apenas demonstrando como poderia, um hominídio primitivo, definir aquilo que presenciava.Definir era preciso para sobreviver, e saciar sua necessidade de conceitos.Definiam, portanto, com as ferramentas que lhe eram possíveis.Com o tempo, a mente humana foi evoluindo mais, as definições necessitaram acompanhar, e as idéias, como os seres, são passíveis de evolução.Vieram, portanto, os primeiros deuses que tinham características e formas.

Se a idéia de deus é um conceito tão primitivo, porque milhares continuam crendo? A resposta estou dando nos meus outros posts, o primeiro Razões para um deus - Explicativas, e o segundo virá depois.

Ante a esses argumentos, podemos concluir que a idéia de que nascemos com a crença em um deus é ridícula.Primeiro porque deuses fazem parte da cultura humana, são idéias, e nascemos desprovidos de idéias.Elas nos são passadas, e assimiladas, portanto, a crença em um deus vem pós-amadurecimento, e não pré-nascimento.E segundo porque podemos provar que os membros da espécie Homo Sapiens Sapiens só se tornam humanos, da maneira que definimos está palavra, quando mantém contato com outros humanos, através das diversas crianças feras encontradas em ambientes inusitados.Uma boa leitura a respeito disso é o site www.feralchildren.com , com diversos casos documentados.Pesquisar, primeiramente, sobre Amala e Kamala, duas irmãs que foram encontradas após terem sido criadas por lobos.A mais velha, não recordo agora se Kamala ou Amala, andava quadrupedalmente, rosnava e mostrava os dentes como lobos.Foram submetidas a um tratamento de socialização, mas ela morreu tendo aprendido apenas por volta de 50 palavras e umas coisinhas a mais.Ela não ria, não expressava emoções.Porque? Porque não era humana, não fora criada com outros humanos, não aprendeu a ser um humano.Era um lobo, apesar de pertencer a outra espécie.Porque não encontraram Kamala ajoelhada, de mãos juntas, orando? Ou porque não encontraram-na realizando qualquer outra coisa que pudesse ser relacionada a um louvou a algum deus? Porque ela não teve nenhum comportamente como esse durante o tempo que era socializada? Simples, porque ela não nasceu com nenhuma crença em nada.Porque sua segunda componente humana era ausente.Não poderia ela expressar nenhuma crença, pois crenças são idéias que são passadas, e não coisas que nascem conosco.

Agora sabemos o que acontece com a criança que é largada sozinha na ilha, sem contato com humanos.Vai andar nua, provavelmente adquirirá comportamento semelhante a alguma espécie com que mantiver contato, vai caçar como os membros dessa espécie, ou colher frutas, subir em árvores, andar quadrupedalmente, qualquer coisa, menos ajoelhar-se e rezar.

Ps .: Ao amigo Thiago, agradecimentos pela indicação do artigo sobre a busca pela verdade num sentido extra-moral, que foi um dos que utilizei para dar base aos argumentos.

Intersubjetivas
Politicamente Incorreto
A Herege