domingo, 3 de agosto de 2008

Motivos para viver x Razão da existência

Não é raro se deparar com perguntas do tipo "Se sua vida não tem sentido, então porque você continua vivo?". Obviamente, a pergunta é sempre feita por um teísta, ou pelo menos alguém que acredita existir por algum motivo em particular.
É importante fazer uma distinção aqui entre duas coisas, que são "Motivos para viver" e "Razão da existência".Os motivos que impulsionam uma pessoa a viver são pessoais, variam de pessoa para pessoa.Por exemplo, eu posso amar música, e ter como objetivo me tornar um grande músico.Dedico minha vida inteira a estudar mais e mais música, a me especializar cada vez mais, sempre na esperança de me aperfeiçoar.Posso também ter como objetivo o conhecimento simples e puro.Conhecer, seja qual for o objeto de estudo, me instiga.Dedido então minha vida a acumular o máximo de conhecimento possível.Posso também ser um alpinista, e ter como objetivo de vida escalar as mais altas montanhas que existem.Mas porque faço tudo isso? Conhecimento não é algo que vai se extinguir totalmente logo após a morte, como pensam os materialistas? Escalar montanhas não trará apenas um prazer momentâneo.Em parte sim, em parte não.Faço isso, no caso dos exemplos, porque me traz prazer.Não é apenas uma interpretação hedonista da vida, mas as pessoas sempre buscam aquilo que lhes dá prazer, seja lendo ou fazendo algo mais altruísta, como ajudando o próximo.A vida tem isso a nos oferecer como direito.Não seria bem sem graça uma vida totalmente desprovida de prazer? É justamente essa ausência de prazer, essa ausência de vontade de viver que leva pessoas a darem cabo de sua própria vida.Enquanto houver algo que lhe dê prazer, a chama da vontade de viver permanecerá acesa no indivíduo.
É importante notar que não é preciso uma crença pós-morte para que eu tenha prazer ao absorver conhecimento ou escalar uma montanha bem alto.Faço isso pelo prazer que esses atos me trazem, faço isso porque são meus objetivos de vida.Eu existo, então aproveito fazendo aquilo que gosto.Durante toda a minha busca por satisfação pessoal, a crença em uma vida pós-morte se mostra desnecessária.Não preciso acreditar que vou viver para sempre para me sentir mais feliz ao realizar algo que me traz prazer.Ninguém precisa, diria eu.Não vou sentir mais prazer escalando uma montanha se, enquanto realizo a façanha, ficar imaginando que quando morrer vou prum lugar mágico.Em síntese, os motivos para prorrogar a existência são pessoais, relativos absolutamente a cada indivíduo.Não sinto vontade de extinguir minha existência pois tenho objetivos, pois existem atos que me trazem prazer.Sendo assim, permaneço vivo e buscando sempre uma boa saúde para extender ainda mais essa minha existência tão curta.Não vou entrar aqui nos méritos biológicos de instinto de sobrevivência do indivíduo, pois é um argumento que se mostra desnecessário.

No outro lado, temos a razão da existência.A razão da existência difere dos motivos que tenho para viver pois ela não engloba a minha existência em particular, não engloba os motivos que eu tenho para prorrogar minha existência, ela trata apenas da existência humana de uma maneira geral, global."Afinal, porque estamos aqui?" é uma pergunta referente a razão da existência.É uma pergunta, diga-se de passagem, que carece de resposta, pois não existem motivos para estarmos aqui.Os motivos que as pessoas costumam buscar são sempre motivos transcendentes, referentes a deidades.As pessoas buscam motivos específicos como "Estamos aqui porque Deus nos deu a vida para que possamos seguir sua palavra e, depois que desencarnarmos, vivermos na felicidade absoluta para todo o sempre".Essa seria uma resposta para a pergunta, mas, obviamente, é uma resposta infundada, que não tem qualquer comprovação.Citei-a apenas para contrastar os dois conceitos.
As pessoas não enxergam a poesia em sermos uma obra de uma lei cega da Natureza, apenas mais um degrau na escala evolutiva das espécies, que segue seu rumo sem qualquer motivo aparente.As pessoas necessitam de um motivo para existirem, pois acham que sem esse motivo, suas vidas perderiam o sentido.Acham que sem essa explicação de "vida após a morte", escalar uma montanha deixaria de dar prazer.Absolutamente, esse tipo de pensamento não tem sentido, mas isso já é assunto pra um outro futuro post, este serviu apenas para distinguir estes dois conceitos.Espero que tenha ficado claro a diferença.

Um comentário:

Thiago disse...

você citou o instinto biológico de sobrevivência, que é um dos fatores que não nos deixa desistir assim tão facilmente da vida. e se eu te dissesse que um instinto biológico pudesse ser a origem de um anseio metafísico? (isso, é claro, se restringirmos a vontade de viver a conceitos biológicos.) proximidade desconcertante essa, não?

o que eu quero dizer é que o problema, o grande problema de todos nós, é lidar com a idéia do nada, com o medo da aniquilação total do ego. simplesmente não podemos conceber-nos como inexistentes: é uma impossibilidade cognoscitiva. sumir no nada ou fundir-se com o todo são os dois lados da mesma moeda impossível. pensamos em termos de sujeito e objeto. sempre deve haver um sujeito. eliminado o sujeito, a máquina pára. isto é, tanto cognoscitavemente quanto por puro instinto de sobrevivência é uma exigência que o ego (alma, eu, indivíduo, espírito, mente, chame do que quiser) permaneça sempre ativo. vou usar o velho exemplo de um professor meu: tente imaginar-se no estado de sono sem sonho. consegue?

se divindades e afins são meras projeções dessa necessidade estrutural ou se, ao contrário, essa necessidade estrutural é o reflexo dessa vocação metafísica, isso é algo a se investigar seriamente.

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A Herege