quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Tabula Rasa - Parte 1

Os seres humanos são compostos de duas partes, simplificadamente falando, que são a parte biológica e a parte psicológica.Entenda-se psicológica como a cultura que agregamos, o conhecimento que armazenamos etc.
Nossa parte biológica está definida pelos incontáveis genes que compõe nosso código genético.Nosso corpo é a projeção daquilo que está codificado em nossos genes.Obviamente que, ao longo de nossa vida, podemos modificar nosso corpo, mas inicialmente, nosso DNA nos fornece tudo aquilo que bilhões de anos de evolução julgou ser necessário para que sobrevivamos.
Dentro desse DNA, também está codificada a nossa segunda parte componente, nossa psicológico.Nascemos com capacidade para... Com capacidade para falar, com capacidade para aprender, com capacidade para agregar cultura.Não nascemos conhecedores das palavras ou das leis, por exemplo, temos apenas capacidade para aprender.Logicamente, quem nos ensinarão estas coisas que devemos saber serão outros humanos.

Analisando essa forma simplificada de enxergar a condição humana, o que podemos concluir? Bom, podemos concluir que nascemos como uma folha em branco, como uma 'Tabula Rasa', como definiu John Locke, pelo menos em termos culturais, lingüísticos.Após essa conclusão, pensemos : o que defini um ser humano? Podemos ter a definição da espécie Homo Sapiens Sapiens observando apenas nosso componente biológico.O código genético que possuímos, ou fenotipicamente, nossas características, nos definem, biologicamente, como esta espécie.Podemos tentar uma definição mais ousada, e definir como humanos aqueles seres que tem potencial para aprender.Mas logo vemos que essa definição é falha, porque diversos animais tem potencial para aprender várias coisas, como os cachorros, que podem ser adestrados.Podemos então definir humanos como aqueles seres que possuem capacidade de comunicação.Mas ora, chimpanzés também podem se comunicar, visto que vivem em sociedades que por vezes são excepcionalmente complexas.Outra definição que podemos dar para a palavra humanos engloba aqueles conhecimentos que aparentemente apenas nós podemos dominar, como o poder de fazer ciência, ou o raciocínio lógico-matemático.

Se adotarmos essa definição para humanos, podemos automaticamente inferir, dado as premissas anteriores, que não nascemos humanos, somos TORNADOS humanos por outros humanos.Em palavras mais simples, se ser humano significa dominar o conhecimento que aparentemente apenas nós podemos dominar, e tendo em vista que não nascemos com esse conhecimento, apenas o aprendemos ao longo de nossa vida, então não nascemos humanos, nos tornamos humanos ao longo de nosso aprendizado.Nascemos como uma espécie animal, e assim permanecemos até que tomemos parte em alguma cultura, até que comecemos a demonstrar nossa habilidade para o aprendizado.Em suma, nada, inicialmente, nos separa dos animais, em termos biológicos.Temos potencial para linguagem, para o aprendizado, sim, mas como argumentei anteriormente, animais também tem potencial para aprendizado, para a linguagem.Nosso potencial aparentemente é bastante superior, mas isso é apenas uma questão de grau.Os olhos de um gavião são muito melhores do que o de um pequeno canário, mas ambos continuam sendo aves, e ambos continuam sendo animais.Sem contar que essa é apenas uma questão de ferramentas de sobrevivência.Temos potencial superior para aprendizagem, mas morcegos possuem ecolocalização, cães possuem ótimo faro e audição.

Nascemos sem qualquer distinção de qualquer outro animal (na minha opinião, continuamos sem distinção de qualquer outro animal durante toda a nossa vida, até a morte, mas alguns cismam em nos colocar em uma posição superior a dos animais, não admitindo que todos fazemos parte do mesmo saco, mas isso é irrelevante no momento) e permanecemos assim até que nos seja passada nossa cultura característica.

Mas, afinal, para que serve isso tudo que estou falando?

Para demonstrar o quão sem sentido são afirmações como 'Todos nascemos crendo em um deus'.Certa vez, assistindo a um documentário sobre uma mulher atéia, que criava os filhos sem impôr-lhes uma educação religiosa, que foi passar uns dias na casa de uma família cristã, me deparei com a declaração da dona de casa cristã 'É um absurdo o que ela [a moça atéia] faz com seus filhos, pois todos nascemos com a crença em Deus'.A frase não foi absolutamente essa em sintaxe, mas em semântica sim.
Não foi apenas uma vez que, em debates, teístas afirmaram que, por exemplo, uma criança abandonada numa ilha, sozinha, sem qualquer contato com os humanos, apresentaria atitudes semelhantes a credores em deus, ou seja, que essa criança, ao crescer, alimentaria uma crença numa divindade, porque essa crença já estava inserida em sua psiquê desde o nascimento.

Esse tipo de afirmação demonstra desconhecimento em várias áreas do conhecimento, como Biologia, Antropologia, Sociologia.Porque alguns crêem em um ou mais deuses, e como isso provavelmente começou?

Deixo pro próximo post.

4 comentários:

Thiago disse...

ainda nem li mas já digo de entrada: tábula rasa é a maior falácia (aliás já há muito superada) que existe.
agora me porei à leitura.

Didi disse...

A citação sobre a tábula rasa é apenas pra dar uma base ao argumento.
É óbvio que nascemos com certas pré-determinações graças ao nosso genótipo, e a biologia comprova isso.
Mas em questões culturais, vale o raciocínio da tábula rasa, e são estas questões que viso no argumento.

Thiago disse...

discordo das premissas, mas concordo com a conclusão: a humanidade não é algo dado, mas conquistado, ou se se quiser, atualizado.

o problema é que os desdobramentos do que você afirma nos levam a uma situação muito delicada. pois veja: se se resume o homem ao seu código genético, limitamo-o (exclusivamente) à natureza, isto é, ao reino da causalidade. o homem perde sua liberdade e, por conseguinte, se 'reifica', coisifica, se transforma numa coisa, num objeto. já não se difere, em suma, só dos animais (o que é de menos importânica), mas mais radicalmente ainda: já não se difere de um martelo ou uma árvore.

pois bem: sejamos então rigorosos com todas as conseqüências possíveis (pelo menos com as que podemos prever) e, junto com o problema, proponhemos uma solução.

como devemos agir? o que passa a ser o homem? qual o tipo de relação que devemos travar um com o outo? por que devo me afeiçoar a você mais do que ao meu violão?

o esquecimento da questão do ser (como bem nos alertou heidegger) é o abandono do próprio homem.

Didi disse...

Entenda, eu não afirmei que devemos definir humanos apenas por seu código genético.
Como argumentei, definir um ser humano desse jeito realmente não o torna diferente de absolutamente nenhum animal.Apesar deu achar que não somos, realmente, diferente de animal nenhum, e que estamos em pé de igualdade com qualquer criatura viva, não é essa a definição exata de humanos que pretendo adotar.
Baseado na nova definição que dou é que desenvolvo o argumento.

Intersubjetivas
Politicamente Incorreto
A Herege